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Caliani

A brilhante indiferença de Anderson Silva à perfeição

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A brilhante indiferença de Anderson Silva à perfeição

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Diferente do que você pode imaginar, não é o lutador que busca a perfeição que oferece o maior perigo para os seus semelhantes. Georges St-Pierre foi a coisa mais próxima da perfeição no MMA, ainda que tenha sido alvo de críticas por alguns anos devido à sua incapacidade de finalizar lutas. Não, a verdadeira força destrutiva, no ringue ou no cage, é o homem que joga à escanteio a ideia de que ele pode atingir a perfeição e se dedica à entender os erros dos outros.

Na minha cabeça, não foi jamais o jogo versátil de Anderson Silva que o fez tão cativante de assistir ou tão eficiente. É o fato dele sempre esperar pelo erro de algum adversário - explorando, estudando e provocando, tentando forçá-los a usar a mão para conseguir extrair deles aquela investida mal-pensada ou aquele swing exagerado.

Não como um adversário ou um antagonista, mas como um espelho cruel, Silva encontra falhas nos seus oponentes, as ilumina duramente e as mostra para o mundo.

Induzindo o Bum's Rush

Qualquer um pode tecer algumas palavras e agrupá-las em frases coerentes, mas é o ritmo, a cadência e o contexto que separam Shakespeare daquele seu amigo com diploma de literatura inglesa. Às vezes você pode conseguir impressionar ou intimidar seus semelhantes com seu linguajar erudito, mas na maior parte do tempo o significado das palavras se perde e você será deixado para trás, olhando e se sentindo como um imbecil. O mesmo se aplica para lutadores. Grande variedade de golpes não é diferente de ter um vocabulário extenso, mas não é a variedade de socos que frustra oponentes de elite, é presença.

Um lutador pode usar sua presença para criar pressão no seu adversário - tanto pressão para acertar quanto pressão para evitar ser acertado. Mike Tyson é um exemplo brilhante do segundo. Tyson não soltava muitos golpes à toa. Ele movimentava sua cabeça, fintava com seus ombros e atacava os adversários nos cantos. Mas era a iminência dos socos que fazia os adversários correrem pelo ringue; os verdadeiros socos eram poupados até o momento em que ele sabia que serviriam para causar dano.

Anderson Silva é um exemplo do outro tipo de pressão. Como Willie Pep, Naseem Hamed, Pernell Whitaker e tantos outros, Silva pressiona seu adversário a acertá-lo - a correr, se esticar, ir com sede ao pote. Para um contragolpeador simplesmente não há melhor opção que ter um adversário que não vê a hora de acertá-lo.

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Veja só a distância que Silva mantém entre ele e Nate Marquardt neste gif. Marquardt parte para cima, se desequilibra, e acerta Silva. Mas Silva está sobre seu quadril e seus pés, ainda em posição de socar, e conecta um gancho de esquerda curto em Marquardt enquanto pisa para trás.

Agora, Anderson Silva sabe levar um soco, mas o overhand longo de Marquardt foi jogado de maneira imprudente e em desequilíbrio, enquanto Silva estava posicionado bem no fim do movimento. O gancho curto de Silva, entretanto, não foi muito significante, mas Marquardt estava tão desequilibrado e fora de posição que acabou por mergulhar num clinch, de onde foi acertado com um uppercut curto e mandado de volta para trás cambaleante.

Para criar pressão, ele precisa fazer que seus adversários soquem por ele, à medida que o próprio se mantém fora de alcance. Dali ele joga aqueles chutes longos que geralmente produzem pouco, além das danças, que produzem ainda menos. Mas aos olhos dos juízes de cadeira e fãs ele é o lutador mais ativo. Todo instante em que um lutador não está tentando engatar uma sequência em Anderson Silva é um instante em que ele está ficando para trás na pontuação oficial.

Pouquíssimos lutadores, particularmente no MMA, caçam bem. Muitos deles deixam a cabeça na frente do quadril e se projetam aos adversários em desequilíbrio posicional. Em nenhuma luta isso ficou tão evidente quanto na luta de Silva contra Forrest Griffin. Griffin, apesar de toda a sua raça e habilidade, não seria capaz de quebrar ovos com seus socos. E ainda assim ele adorava entrar em trocações francas. Silva tomou a liberdade de menosprezar quase toda a ofensiva de Griffin, e cada olhar de desdém que lançava deixava Griffin ainda mais determinado a correr soltando swings.

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Bater andando para trás é uma coisa considerada muito difícil de fazer. No boxe é extremamente raro de ver um lutador fazê-la bem, mas isso deve ter mais a ver com a técnica dos competidores. Um soco executado ao andar para trás tem força proporcional ao desejo do oponente de partir para cima. O que realmente precisa se fazer para criar um bom soco contra alguém que caça loucamente é criar momentaneamente uma estrutura sólida para a qual o oponente possa esbarrar o queixo.

A quantidade de lutadores que gostam de caçar loucamente assim no MMA é incrível. A primeira luta de Silva no UFC, contra Chris Leben, foi um outro belo exemplo.

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Veja Leben correndo para o ataque. Ele de fato acerta Silva, mas como Silva está se afastando do soco ele não consegue realizar muita coisa. Porém, toda vez que Leben corre em direção ao soco que recebe faz intensificar a potência de uma conexão já considerável. É claro que esse tipo de bum rushing é o que fez de Leben famoso e é o porquê dele ter sido um dos lutadores favoritos dos casadores de luta por tanto tempo, mas boa estratégia ou boa forma não é.

Chael Sonnen fez quase exatamente a mesma coisa na segunda luta com Silva:

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Agora existem alguns lutadores que são muito bons em explodir sobre o tablado sem conceder grandes buracos para Silva explorar. Um deles é Vitor Belfort. A estratégia de Belfort é bastante previsível em grande parte do tempo: ele explode numa linha reta e consegue o nocaute ou não.

Na luta contra Silva, Belfort entrou em linha reta, errando os golpes por pouco, e se viu apto a continuar depois de tentar uma sequência em cima do campeão. Silva executou um passo para trás e girou no seu pé de trás (agora da frente). Este tipo de giro em torno do eixo ao retrair o pé da frente é algo que você verá aparecer em diagramas de manuais russos velhos de boxe, mas não é algo que você esperaria ver no MMA, que é praticamente um jogo de correr para frente ou para trás.

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No diagrama Venn de híper-agressividade e forma decente de boxe, Belfort ocupa a área de sobreposição de maneira bastante confortável. Apesar de Belfort não ter se exposto aos contragolpes de Silva da maneira que alguns strikers mais destemidos e desengonçados deste artigo se expuseram, Silva ainda foi capaz de induzi-lo à ofensiva e tentar responder. Contra os trocadores mais experientes, é simplesmente com isso que você tem que se contentar, mesmo se você for Anderson Silva.

Em trocas de golpes

Nem todo mundo se dispõe a correr por trás dos punhos e permitir Silva desmontar no queixo quando não se consegue acertá-lo. Alguns lutadores até conseguem ficar no encalço de Silva e atacá-lo de uma distância apropriada, mas ainda há vários erros em potencial sobre os quais Silva pode capitalizar, mesmo daquela distância.

Dan Henderson, por exemplo, é em grande parte um lutador sensato e regulado. O entroncado chute baixo interno, o overhand de direita, o clinch - Henderson é muito bom nessas coisas e se preocupa em usá-las no seu adversário durante a maior parte do tempo, tomando algum cuidado com a sua defesa. Depois de amarrar Anderson Silva por um round, no entanto, Henderson entrou num clinch e quando eles se desvencilharam, decidiu swingar.

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Henderson costuma jogar sua mão direita como se pisasse pra rebater com um taco. Isso o deixa desequilibrado e fora de posição mesmo quando ele swinga com aquele gancho de esquerda que nocauteou Wanderlei Silva. Note que Henderson se estica tanto no primeiro golpe que se vê obrigado a puxar a cabeça de volta para trás enquanto joga o segundo. Assim que consegue conectar o gancho de esquerda, Silva conecta um rápido direto de esquerda e depois um outro no momento em que Henderson tenta swingar de volta.

A principal diferença entre Henderson e Silva é que Henderson procura bater pesado e não se importa onde sua própria cabeça vai parar. Silva, por outro lado, prefere soltar um soco mais fraco desde que esteja em posição de se mover imediatamente depois.

Quando Henderson sofre dificuldades com o clinch, Silva mostra o lado do seu jogo que surpreende muitos dos seus adversários: os macetes confusos em média distância. Silva consegue tentar uma boa joelhada e acertar aquele chute alto de esquerda em curta distância novamente. Pode não parecer muito contundente porque não é o belo estilo arqueado de chutar de Mirko Cro Cop, mas desdobrar a canela rapidamente sobre a guarda do adversário causa bastante dano. Analise algumas das melhores lutas de Silva e não demorarás a ver chutes curtos saindo de posições de onde você jamais imaginaria.

Muito da eficácia de Silva no ringue se dá pelo fato de que ele mostra habilidades nunca antes vistas pelos adversários. Claro, boxeadores profissionais sabem não caçar um bom contragolpeador e como explorar adversários curvando-se na cintura, mas lutadores de MMA não costumam se deparar com esse tipo de habilidade.

Empurrar o adversário com o braço em meia distância é algo que Silva simplesmente faz para dificultá-lo a socar de volta. Em competições de Muay Thai, você verá vários bons lutadores empurrando seus adversários no ombro ou até no peito simplesmente para prevenir que seus oponentes desviem o corpo numa cotovelada ou soco quando estão de perto.

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Um grande momento desse stiff-arming se deu na luta contra Rich Franklin. O abafamento constante de Silva impossibilitou Franklin até de se proteger, quanto mais de retaliar.

Outra demonstração brilhante desta habilidade aconteceu quando Silva empurrou Stephan Bonnar para trás enquanto ele o socava, antes de mandá-lo à grade e conectar com o joelho no ricochete.

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No Ataque

Se é possível apontar uma área do jogo de Silva que destoa do resto, é sua capacidade de atacar. Encontra-se grande receio de iniciativa de ataque por parte de ótimos contragolpeadores, quase que compreensivelmente, porque eles nocauteiam adversários que tentam fazer a mesma coisa.

As poucas ocasiões em que Silva atacou de maneira eficiente no cage tiveram mais a ver com pressão e manha do que com combinações espalhafatosas. Há muito mais a se dizer sobre esse assunto mas eu quero dar uma rápida observada em dois dos meus momentos favoritos de Silva atacando dentro do octógono.

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Contra Forrest Griffin, Silva mostrou o tipo de pressão ofensiva que nós falávamos anteriormente sobre Mike Tyson. Ao atrasar Griffin pelo octógono, Silva desorientou Griffin em circular para fora. Quando Griffin tentou isso, Silva pisou pra fora com a base canhota em ângulo reto e conectou com um bom gancho de direita, um golpe potente para a situação porque entrou de encontro com o movimento de Griffin. O stepping right hook era uma das técnicas favoritas de Ray Sefo, George Foreman, Mike Tyson, entre outros.

O erro de Griffin, obviamente, foi circular para fora com a cabeça alta e com a mão esquerda esticada em Silva. Os lutadores de MMA são certamente ensinados a circular, mas trata-se de algo que muitos não conseguem executar tão bem sob pressão de boxeadores profissionais ou kickboxers.

Um último exemplo adorável de exploração de defesa adversária foi de quando Silva usou o chute alto contra Yushin Okami. Ao perceber que Okami estava reagindo em demasia para as suas fintas com a mão de trás, Silva jogou um direto de esquerda, que Okami bloqueou com sua mão direita, quando então Silva segurou o braço de Okami e completou com o chute alto passando por cima.

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Foi um movimento sutil mas fez toda a diferença. Você perceberá que o braço de trás de Okami está reto e muito longe de sua cabeça quando o chute de Silva entra. Silva então perseguiu Okami até a grade, segurando as duas mãos para conectar uma joelhada legal, ao estilo de Alistair Overeem.

Conclusões

Obviamente, ninguém é invencível. Se você pensa que isso pode realmente existir, você não andou acompanhandoo mundo cruel dos esportes de combate por muito tempo. Todo lutador tem suas manias e toda mania é explorável.

Anderson Silva é inclinado a favorecer alguns métodos em detrimento de outros, como qualquer outro ser humano. O que o torna tão bem-sucedido é sua capacidade de enxergar onde falta boa forma e inteligência de luta em seus adversários.

Silva poderia entrar com suas mãos altas e partir para o ataque em toda luta, mas ele seria acertado com muito mais frequência, se exporia a tentativas de queda por baixo de suas mãos, e não conseguiria nem de longe o mesmo número de vitórias por nocaute. Em vez disso, ele se afasta, espera, e chama o adversário para si, sabendo que, a qualquer momento em que qualquer um se projeta em sua direção, lhe será mostrada uma brecha muito antes dele mostrar uma de sua parte.

Volte aqui antes do fim de semana e conversaremos sobre a primeira luta de Silva contra Chris Weidman, bem como das possíveis melhoras que cada um pode fazer para a revanche vindoura!

http://fightland.vice.com/blog/jack-slack-anderson-silvas-brilliant-indifference-to-perfection

Editado por Caliani

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Boa, Caliani!

Tava sentindo falta das análises do Jack Slack que você traduz. Se der, traduz essa próxima aí, velho. Valeu!

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Boa, Caliani!

Tava sentindo falta das análises do Jack Slack que você traduz. Se der, traduz essa próxima aí, velho. Valeu!

Tamo junto, chefe!

Fiquei muito ocupado nesse semestre. Esse do AS é só coisa básica, mas às vezes é bom traduzir pra melhorar o inglês e se informar, embora seja trabalhoso pra cacete. Se a próxima sair a tempo eu posto, sim.

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Parabéns Caliani pela tradução heehhe o artigo e muito bom

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Esses artigos são muito bons.

Mias uma vez parabéns Caliani por ter paciência para traduzir.

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A analise é perfeita

o AS é muito ALEM de qualquer outro lutador

perdeu pq cometeu um erro mto grande .. isso é a verdade

nao pq o Weidman é pior ou melhor.. e sim pelo seu erro

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Parabéns pela tradução.

Texto de primeira. Muito edificante. A análise sobre o Anderson é sensacional.

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Boa, Caliani! Obrigado por trazer a tradução pro fórum, essa coluna do Jack Slack é legal demais.

Editado por rafael.

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Ele postou a última análise à tarde e eu acordei faz pouco tempo. :foimau:

Já vou traduzir essa, que foi simplesmente a melhor que li.

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