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Lucifer Krieg

Entrevista de Rickson Gracie

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Como você analisa a evolução do jiu-jitsu, tanto no contexto nacional quanto no internacional, desde a época em que foi implantado no Brasil até os tempos atuais?

RG: "É claro que faz quase cem anos que o esporte está presente no Brasil e nos últimos vinte anos, talvez, um pouquinho mais, ele conquistou o mundo. Eu acho que essa evolução é uma coisa constante e que vem não só demonstrando a eficiência do nosso jiu-jitsu, mas também valorizando e qualificando os atletas brasileiros e o nível do nosso jiu-jitsu através do mundo, criando assim uma perspectiva de aumento constante".

Você acredita que naquela época, quando tudo começou, sua família esperava que as técnicas difundidas viessem a tomar a dimensão que tomaram?

RG: "Eu vejo que a minha família não só ajudou a difundir, mas simplesmente foi pioneira, com a criadora do nosso Gracie jiu-jitsu. Porque o jiu-jitsu que veio para nós foi simplesmente um terço do método que começou a ser desenvolvido pela família. Acho também que esse é um processo continuo e que conta com a participação de todos os membros da família. O crescimento é fruto de um produto de qualidade que foi gradativamente desenvolvido e disseminado. E o que é bom tem de a espalhar...assim, eu fico totalmente orgulhoso em fazer parte de uma família que assumiu um compromisso de servir a sociedade".

Detentor de um histórico inédito, com uma hegemonia tão longa, associada a uma invencibilidade inquestionável, paralela a uma idolatria e assédio da imprensa especializada, como você encara o fato de ser considerado um mito, uma lenda...

RG: "Olha, eu nunca me preocupei com o resultado, com o que eu teria após determinada atividade. Eu sempre fiz o máximo, eu sempre fui dedicado e sempre fui agradecido de ter nascido na família em que nasci e ser exposto às técnicas que fui, na idade que fui, e, a partir daí, é simplesmente uma conseqüência de trabalho. Eu acho que sempre foi muito importante pra mim, para lidar com esse sinal referência, com esse dom, essa qualidade especial de ser um bom atleta...sempre, pra mim, a humildade e a simplicidade sempre serão coisas muito importantes. Porque se você se deixa levar pela expectativa dos outros, você acaba perdendo a base, a certeza de estar realmente centrado. Então, para mim, eu não me incomodo. Eu não me importo muito de chegar onde cheguei. Simplesmente, uma vez, tendo esse lado de ser uma referência dentro do esporte, eu acho que agora tenho como missão expandir isso de forma positiva. E eu acho que é mais ou menos por aí. O meu passado, realmente, foi coberto por grandes momentos, mas é muito importante a gente acordar todo dia e agradecer a Deus por estar vivo e fazer o máximo para beneficiar não só uma criança, como também um aluno, como um membro da nossa família. Se você não tiver os pés no chão e ficar fora da realidade, você sai da perspectiva real de ser um homem que está aí para fazer o bem".

Como você avalia o nível técnico do jiu-jitsu brasileiro na atualidade?

RG: "Sem dúvida, a evolução do jiu-jitsu é constante. O único "porém" que eu vejo, nessa evolução, é que pelo aumento das competições, pelo aumento da rapaziada querer se envolver com competições, e também baseado nas regras das competições, que enfatizam também um jogo mais amarrado, uma técnica de segurar para tentar vencer por uma vantagem, ou, amarrar por um pequeno ponto, eu acho que isso tirou um pouquinho do aspecto da defesa pessoal e da eficiência plena do jiu-jitsu. Eu penso que é importante que os professores e os próprios atletas revejam essa parte do jiu-jitsu que leva à competição, que realmente é, sem dúvida, muito atraente, mas não é tudo. E, eu, como professor, sempre procuro dar aos meus alunos uma noção completa do que é o jiu-jitsu. Desde a defesa pessoal, até a parte de competição com kimono, até a parte de treinamento sem kimono, para que eles se sintam eficientes não interessa em que área eles se encontrem. Já, se o cara ficar totalmente especificado numa raspagem helicóptero, ou x-guard, ou num negócio desse, e ele ficar anos e anos treinando só isso, é bem provável que ele possa se encontrar em dificuldades quando tirar o kimono ou quando alguém pegar ele numa gravata, na rua, e ele pode não estar preparado para isso".

Para os seus alunos, como é feita a orientação de alimentação? Existe alguma regra que diferencie os atletas de competição dos não-competidores?

RG: "Olha, eu não forço ou digo que os meus alunos tenham que comer certo. A alimentação é a origem da nossa saúde e nós somos o que comemos. Baseado nisso, uma alimentação saudável, que seja energeticamente alta e não seja uma coisa muito pesada, ela se torna um complemento fundamental para elevar o potencial dentro do treinamento. Isso somente pra você se manter saudável, independe se você for um atleta de ponta ou um atleta de fim de semana, ou simplesmente um executivo sedentário. Então, eu procuro dar uma orientação de alimentação baseada na dieta Gracie, tanto para os meus amigos quanto para os alunos, para que eles tenham simplesmente saúde... e, a partir daí, o treinamento acompanha".

Quanto ao treinamento, como você analisa a prática de um exercício complementar, uma atividade física paralela, à prática do jiu-jitsu?

RG: "Com certeza, a partir do momento que você define um esporte, seja ele o jiu-jitsu, seja ele o tênis, ou seja ele o surfe...quando você tem uma atividade efetiva em cima desse mesmo esporte, é como se você estivesse dobrando um arame no mesmo lugar. A tendência é de que alguns pontos do seu corpo venham a ser mais sacrificados do que outros. Da mesma forma que no tênis o cotovelo é o ponto mais sacrificado, existe uma necessidade de manutenção pra que o corpo esteja equilibrado para a execução da atividade. Eu, atualmente, depois de estudos, cheguei a conclusão de que a força funcional...trabalhando com bola de medicine ball ou fisioball, elásticos e alguns tipos de pesos, eles complementam qualquer atividade que o atleta, ou qualquer pessoa, mesmo que não tenha uma atividade física freqüente necessite. Eles são perfeitos para que se tenha uma melhor qualidade de vida. Com eles você vai se sentir muito mais alongado e com disposição de poder atuar em qualquer área".

Como vem sendo a parceria com a Fitness Solution?

RG: "Olha, até agora tem sido muito boa. Estou muito feliz. Nós fizemos o nosso primeiro evento aqui em Florianópolis, que ao meu ver foi um sucesso. Congregou a nata do jiu-jitsu da área e inclusive contou com diversas pessoas de fora do Estado, o que me deixou muito contente. Houve uma resposta quase que nacional do seminário e nós estamos aí viabilizando uma parceria para o ano que vem, se tudo permitir, de fazer vários seminários...vamos ver o que vai dar. Eu acho que mesmo no ponto de vista comercial, como no ponto de vista social, essa parceria pode agregar muito pro país e eu estou torcendo para que tudo dê certo".

Com o retorno ao Brasil, quais são os seu planos ou projetos daqui pra frente?

RG: "Eu estou numa fase muito interessante da minha vida, porque estou praticamente abandonando a vida de competidor. Existe uma mínima possibilidade de fazer mais uma luta. Na verdade, existe a tentativa de negociação, mas que pelo andar da situação talvez não aconteça. A partir daí, vou entregar a minha vida a uma missão que eu encaro como a maior motivação que tenho pra viver, até o final dos meus dias: que é difundir e resgatar os valores que eu acredito serem fundamentais para a sociedade...de como o jiu-jitsu pode ser positivo para favorecer a sociedade como um todo. Em outras palavras, eu acho que o jiu-jitsu tem que ser uma das molas-mestras que irá contribuir para que a sociedade se torne mais equilibrada, mais confiante e com mais capacidade de se entender. Porque, quando você tem uma formação dentro do jiu-jitsu que seja adequada, todo esse poder e eficiência se transformam em benefícios, já que é sabido que a força e o controle combinados tornam o indivíduo altamente positivo. Agora, muitas vezes, você vê uma orientação voltada simplesmente para a eficiência, onde você tende a formar mais "pitbulls", "pitboys", que saem por aí querendo bater nos outros, que bebem e brigam nas boates. Aí, eu acredito que essa condição de combinar uma boa orientação técnica, com uma boa orientação disciplinar...moral e filosófica, em relação ao esporte e a um todo faz com que este equilíbrio encontre uma harmonia e o aluno e as pessoas, de um modo geral, acabam favorecidos com essa informação completa. Assim, o praticante sairá com um potencial completamente diferente, porque ele sabe que é forte, mas tem a obrigação de fazer com que essa força seja utilizada para o bem. Por ser equilibrado, ele saberá perdoar e aprenderá a ter calma e controle, que são realmente fundamentais."

Você tem pretensão de continuar com a proposta social do "Dia de Introdução ao Jiu-jitsu"? Como acontecerão as ações sociais?

RG: "Sem dúvida. O Dia de Introdução ao Jiu-Jitsu, que eu sempre faço, anterior ao seminário em si, tem sempre uma proposta de trazer pessoas que não sabem o que está acontecendo para entender o que é o jiu-jitsu e, evidentemente, favorecer as atividades que contribuem com essa participação social. Mas, um dos meus planos, um pouquinho mais no futuro, é criar um vínculo maior com algumas entidades sociais, para poder com um custo menor inserir no contexto comunitário o jiu-jitsu. É uma coisa que teoricamente não tem um custo muito alto e possui um valor agregado fundamental, não só na parte física, como na parte psicológica, moral e filosófica".

Como surgiu a relação entre você e a indústria cinematográfica? Como foram as suas participações em super-produções do cinema e a relação com os atores?

RG: "O jiu-jitsu vem se provando há muitos anos no campo da eficiência e isso transpõem os tatames e vai de encontro ao sensacionalismo, à imprensa, à mídia e, eventualmente, morando em Los Angeles, ele também chegou às telas do cinema. Nós temos contato com vários atores, diretores e, aos poucos, o jiu-jitsu vai sendo introduzido com mais freqüência nas telas, porque na verdade o cinema é um reflexo, uma mistura muito mágica entre ficção e realidade. Então, hoje em dia, fica muito fora de questão um grande super-herói de ação ser bom em karatê, que já não é mais uma luta que é provada eficiente. Assim, o jiu-jitsu, por ter provado essa eficiência, está sendo cada vez mais exibido nos filmes de todo o tipo. É uma coisa que realmente transparece exatamente o nosso trabalho. Acho que é uma relação normal que o jiu-jitsu está começando a ter. Uma projeção. Acredito que daqui pra frente as coisas tendem a melhorar. A época do Kung-Fu nas telas, de Bruce Lee, já foi deixado um pouquinho de lado. Agora, os grandes heróis vão ganhar dos vilões usando mata-leão, chave-de-braço e coisas que a gente só vê nos tatames e octógonos da vida".

Qual a expectativa do filme Redbelt e como foi a sua atuação no Hulk?

RG: "O Redbelt é uma representação da família Gracie, onde existe toda uma trama e o diretor, David Mamet, é um cara bem controverso. Ele fez um plot, uma situação, bem interessante. Eu ainda não vi o filme, mas estou com muita vontade de assistir. Em relação ao Hulk, eu adorei a minha participação, porque como lutador de jiu-jitsu ensinei ao David Banner (Hulk) a não a bater nos outros, porque ele precisava controlar suas emoções para não se transformar no Hulk. Então, a minha parte no filme é exatamente dar a ele uma consciência de respiração e auto-controle, que é uma parte que realmente me interessa, porque eu mostro ali um dos lados do jiu-jitsu que não é o lado agressivo, e sim o lado do auto-controle. É interessante ver os aspectos que o jiu-jitsu pode influenciar as pessoas e é por aí, que a gente vai começar a difundir mais as nossas técnicas para o grande público".

Como você vê o jiu-jitsu atualmente dentro das competições de vale-tudo?

RG: "O jiu-jitsu é o vale-tudo. A nossa preocupação, no começo do século, foi sempre botar o jiu-jitsu à prova e foi daí que surgiu a idéia do vale-tudo. É exatamente a nossa credibilidade, a nossa técnica, que colocou o jiu-jitsu à prova. Nós sempre estivemos abertos aos desafios. Desde os capoeristas do passado, dos brigadores de rua, os boxers e outros estilos, até que em 1993 foi realizado o Ultimate Fighting Championship (UFC), que foi produzido pelo meu irmão Rorion e executado pelo meu irmão Royce. Foi neste momento que o mundo todo abriu os olhos, perceberam que não havia mais chance para wrestlers. Foi comprovado que aquele magrinho de kimono simplesmente "lavava" todo mundo. A partir desse momento, as outras artes marciais se viram completamente impotentes. Hoje em dia, dentro da comunidade que treina vale-tudo, nós temos, por exemplo, um milhão de praticantes que são apenas lutadores de jiu-jitsu e dois milhões de pessoas que dizem lutar boxe, kickboxer, karatê, muai-thay e treinam jiu-jitsu também, para que eles possam se tornar mais eficientes. Dessa forma, o jiu-jitsu não cresceu somente dentro do jiu-jitsu, mas também serve como complemento a todas as outras artes. Só a arte deles não é suficiente. Então, me sinto duas vezes orgulhoso, porque até os "adversários" do jiu-jitsu necessitam do jiu-jitsu. Diferente do outro lado. Você vê muitos campeões de vale-tudo que não treinam outras artes e que continuam ganhando. Assim, por essas e por outras, que vejo com nitidez que o nosso jiu-jitsu é a luta que mais cresceu e realmente é a mais eficiente".

Rickson Gracie por Rickson Gracie...afinal, quem é o Rickson Gracie?

RG: "Eu sempre fui uma pessoa muito romântica, no sentido de que eu me apaixono pelas coisas que faço. Sou racional, mas ajo com o coração. A minha característica maior é achar que o jiu-jitsu, muito embora seja uma arte marcial... acho que tem que ser executada com amor...eu não faço as coisas simplesmente por obrigação, eu tenho que ter o prazer. E a descoberta do prazer dentro do jiu-jitsu foi exatamente a forma simples e fácil de conquistar tarefas difíceis. É a forma super profunda de poder ajudar aqueles que são menos fortes, mais tímidos ou mais introvertidos. Em cima desse contexto artístico e romântico do esporte é que eu me envolvi. E quanto mais poder eu adquiri, eu senti que era importante pra mim colaborar, servir, ser irmão, ser amigo, ser pai...e isso foi acontecendo, se espalhando, em todas as seqüências da minha vida... tanto pessoal, como com meus amigos e filhos, na minha rede de amigos de praia e de brincadeiras e com meus alunos da academia. Eu não sinto que houve qualquer mudança. O Rickson é sempre o mesmo...apaixonado em viver, apaixonado em brincar, apaixonado em treinar, apaixonado em ensinar...acredito que a paixão move o mundo. Se você não tiver amor nem pra ir à guerra, você não está usando realmente todo o seu potencial. Você não deve viver em função da raiva, do ódio, da vingança. Você deve viver em função do amor. E o melhor dia... é o dia em que eu vou para a guerra, o dia em que vou lutar. Todo dia agradeço a Deus por ter saúde. Devemos ter me mente que as maiores tarefas serão vencidas com a cabeça tranqüila. Então é isso, o Rickson está sempre pronto para servir e viver a paixão de estar vivo."

Você gostaria de deixar algum recado ao pessoal da região Sul, para o pessoal que acompanha a Sultatame?

RG: "Primeiramente, acho que o Sul é uma das regiões do Brasil de melhor formação, porque a colonização aqui fez com que a estrutura se tornasse uma pouco mais adequada do que encontramos em outras partes do país. A colonização européia fez com que você nascesse para trabalhar na terra, para servir ao filho...então, percebo isso com mais nitidez quando venho ao Sul. Aqui existe uma estrutura familiar e social, de um modo geral, mais equilibrada. Acho que o povo daqui não está para te pedir esmola...ele sorri pra você e segue em frente...vai em busca de seus ideais. Então, percebo muitas diferenças entre o Sul e eixo Rio-São Paulo pra cima. Admiro muito o Sul em relação à colonização e as pessoas daqui. Também reconheço que existe um potencial muito grande, não só na formação de atletas, mas também pelos professores já existentes. É uma região que merece todo o meu respeito, todo o meu carinho e, com toda a certeza, eu pretendo fazer daqui um ponto seqüencial da minha vida de ensino. Queria deixar um abraço aos leitores da Sultatame e aproveito a oportunidade para parabenizar o site pela idéia de oferecer serviços e informações diferenciadas aos internautas. Gostaria de deixar uma mensagem para a rapaziada...é só com treino e dedicação que a gente chega em algum lugar...o corajoso, o guerreiro não é medido por quantas vezes ele cai, mas sim por quantas vezes ele se levanta. Então, é isso...estamos aí pra lutar, pra vencer e pra perdoar quando for necessário. Desejo boa sorte, bom treino e vamos à luta..."

:: Escrita por Rodrigo Costa/Sultatame ::

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"....muitas vezes, você vê uma orientação voltada simplesmente para a eficiência, onde você tende a formar mais "pitbulls", "pitboys", que saem por aí querendo bater nos outros, que bebem e brigam nas boates. Aí, eu acredito que essa condição de combinar uma boa orientação técnica, com uma boa orientação disciplinar...moral e filosófica, em relação ao esporte e a um todo faz com que este equilíbrio encontre uma harmonia e o aluno e as pessoas, de um modo geral, acabam favorecidos com essa informação completa.."

Perfeita a colocação.

O Rickson é um dos poucos que considero campeão no ringue, tatame e nos ensinamentos.

Este é um dos maiores problemas que vejo nos professores de JJ de hoje, que ensinam apena a parte prática do esporte, transformando a arte marcial em defesa pessoal.

Como eu digo, nem sempre um grande campeão é um grande mestre. Hoje em dia, tem se provado que quase nunca isso acontece. Uma pena.

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