Luiz Carlos

Rolls Gracie e seu tempo

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Obrigado pelo up no topico... grandes mestres Alm e Lawyer sempre com excelentes relatos!

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Contribuindo para o tópico:

Rolls, a lenda da Família Gracie"

Extraido da Revista Gracie magazine #29, pgs. 28 a 37.

Reprodução Autorizada

Os mais antigos contam os feitos de um jovem magro de olhos azuis, que conquistou o posto de campeão da família Gracie nos anos 70, levantando a bandeira do Jiu-Jitsu e se tornando ídolo de uma geração pelos exemplos de postura e caráter, e atuação no campo de batalha.

Aos mais novos cabe, na maioria das vezes sem saber, colher os frutos que Rolls Gracie plantou, e escutar suas façanhas de outras fontes, pois um estúpido vôo errado de asa-delta deixou de fora do cenário que forjou, prematuramente, o personagem que marcou uma época.

"Existe uma era antes e outra depois do Rolls, às vezes fico chateado por não ter tido mais acesso à sua técnica que revolucionou o Jiu-Jitsu"-Royler Gracie.

A RETOMADA DO JIU-JITSU

Nos anos 60, houve a proibição do programa "Heróis do Ringue", de luta-livre (o vale-tudo de hoje em dia), e o Jiu-jitsu sofreu um grande baque. Com o abandono da mídia, diminuía a repercussão dos feitos de Carlos, Hélio, Carlson e os demais parentes e alunos da academia Gracie. Coincidiu com a época em que o judô se tornou esporte olímpico, e que o karate estava em evidência, propagandeado pelos filmes americanos.

Para uma retomada, o Jiu-jitsu precisava de um campeão do esporte, alguém com técnica, carisma e liderança para influenciar uma geração de jovens, que a esta altura ou encontrava-se engajada na luta contra a ditadura militar ou totalmente alienada no Píer de Ipanema ou no Arpoador, muitas vezes ligada às drogas.

Rolls Gracie assumiu esta responsabilidade. Exemplo de persistência e habilidade, o garoto de nome estranho (pronuncia-se Rolis) criado no edifício 14 da Rua Bolívar, em Copacabana, perto do cinema Roxy, se esforçou para ser o melhor da época: introduziu a preparação física no seu treinamento e golpes de outras modalidades de luta no seu repertório. Estimulou a realização de competições de Jiu-jitsu esportivo e se aproximou dos contemporâneos praticando surf e asa delta. Tornou-se formador de opinião de centenas de jovens da Zona Sul do Rio de Janeiro.

Viajou o mundo em busca de conhecimento, apresentou seu estilo e disputou sambo (luta de origem russa semelhante ao Jiu-jitsu) e luta olímpica em outros países. Aonde passava, impressionava a todos com a versatilidade e velocidade que usava seus menos de 70 quilos, seja para uma ida para as costas, um seoi agachado ou uma remada entre ondas gigantes. Fora do plano esportivo, conquistava qualquer um com seu carisma, coração e cultura. O filho de Carlos criado por Hélio era o ponto de equilíbrio da família Gracie.

Mas, no auge da forma e das conquistas, um traiçoeiro morro em Visconde de Mauá, cidade do interior do Rio de Janeiro, foi o cenário para a embicada de uma asa delta emprestada que tirou da cena o ídolo dos anos 70, de forma tão impressionante quanto suas lutas relâmpago, e com apenas 31 anos de idade. O campeão deixou uma geração de órfãos.

"O Jiu-jitsu que aprendi é um patrimônio e me ajuda nas decisões, devo isso à família Gracie e ao Rolls, um verdadeiro irmão" . -Arthur Virgílio Neto

VERSÁTIL

A competição era a força-motriz da vida de Rolls. "Eu era garoto, e alguém chegou na academia dizendo que tinha um campeonato de karatê no fim de semana", lembra Royler. "E ele respondeu, ‘Então inscreve a gente lá. Não entendi nada, mas o Rolls era assim, topava qualquer parada". Só que lá para as tantas, não tinha mais adversário que se apresentasse nos campeonatos de Jiu-jitsu quando o Gracie estava inscrito.. Ele passou a ver na luta livre olímpica um desafio pessoal, e uma chance talvez de disputar as Olimpíadas, seu maior sonho.

Em uma das suas viagens para o exterior, em 79, o amigo John, de Nova York, lhe apresentou Bob Anderson, pentacampeão americano de wresting. O gringo de 100 quilos então veio ao Brasil, ficou na casa de Rolls e deu aulas em sua academia por dois meses. Mesmo sem nunca ter treinado com Rolls, Bob provocava: "Só aqui no Brasil um magricela feito você pode ser campeão absoluto". Apesar da revolta dos alunos e de sua esposa Ângela, o Gracie nem se doía. A brincadeira entrava por um ouvido, saía pelo outro.

Mas, por qualquer motivo que não a vaidade, Rolls o convidou para dar um treino no dia anterior à sua partida para a América. O gigante bateu inúmeras vezes, e se irritou, jogando o kimono no chão: "Isso me atrapalha, vamos ver do meu jeito! (sem kimono)". "Gravatas, americanas e pegadas pelas costas seguiram a declaração", como conta um monte de testemunhas que assistiu ao treino. Bob se resignou, e a partir deste dia, reverenciou o "subnutrido".

Tanto a que dois meses depois convidou o brasileiro para competir no Panamericano de Sambo em San Diego. Rolls aceitou, é claro. Era uma conquista pessoal reunir as duas coisas que mais gostava: competir e viajar. Aprendeu as regras pelo telefone e partiu para a Califórnia com Ângela, grávida do segundo filho Igor. Lá chegando, se surpreendeu com uma comitiva da FILA (Federação Internacional de Lutas Amadoras), que a convite de Bob foi ao campeonato para ver sua performance. Apesar de não valer estrangulamentos, o estilo era parecido com o Jiu-jitsu e ele venceu seus adversários facilmente. Os dirigentes pediram para ele ficar mais um dia e Bob avisou: "Vai ter que lutar amanhã de novo".

Seria um prazer. "De volta ao estádio no dia seguinte", lembra Ângela, "tinham 8 atletas: judocas, lutadores de sambo, greco, luta-livre e até um de uma luta de torção, que vestia uma calça amarela. Rolls enfileirou todos quase que sem intervalo", se orgulha a esposa. Impressionados, os membros da FILA convidaram-no para se mudar para os Estados Unidos e ser instrutor no centro americano de aperfeiçoamento de lutas. O salário mensal era de 5 mil dólares, uma fortuna para a época. Segundo Bob, "todos se impressionaram com sua criatividade e versatilidade. Ele era capaz de anular qualquer golpe de qualquer outra modalidade".

"Chegando ao Brasil, tio Hélio o pediu para não ir, pois o Jiu-jitsu não podia se abster da presença do campeão da família na época. O Rolls concordou imediatamente, mas eu fiquei frustada, pois era uma grande oportunidade na nossa vida", lamenta Ângela. De qualquer forma, toda essa experiência em outras lutas foi primordial para Rolls, apontado por muitos como a ponte entre o Jiu-jitsu antigo e o praticado nas competições de hoje em dia. "Ele adaptou movimentos e introduziu-os no Jiu-jitsu", observa o irmão Róbson. "Teve época de eu ver a família reunida, o Rolls dando o treino e ninguém, nem os mais graduados, opinar em nada, pois ensinava variações de posições desconhecidas", arremata. Muito usados hoje em dia, catadas de perna, inversões, e o jogo ofensivo foram mérito do professor e sua versatilidade metafísica.

BAGAGEM

O patriarca da família Gracie, Carlos morreu em 1994, com 92 anos e convicto de que o sexo tinha a finalidade œnica da procriação. Em 1950 se revoltou com a atitude de sua segunda esposa, Geny, de não ter um filho. "Quase que de pirraça, procurou outra mãe para o seu 15º descendente", revela o irmão Reyson" e então conheceu Cláudia, que aceitou o papel. Geny não quis criar o bebê (nascido em 28 de março de 51), e o tio Hélio recebeu a custódia de Rolls, com apenas 4 meses de idade".

Meio ano mais tarde, Hélio teve seu primeiro filho legítimo, Rórion, em seguida nasceu Relson, e alguns anos depois, Rickson. Os quatro foram criados juntos, e segundo o pai adotivo. "o Rolls era uma criança encapetada, mas de muito boa índole". Ele era um garoto franzino super ativo, que não parava um minuto. E naturalmente protagonizou algumas brigas: "Temos uma filmagem dele com uns seis anos brigando com outro garotinho na praia. É super engraçado, porque eu não me meto, mas fico ao redor fazendo mímica e gestos, como se torcesse para ele", lembra Rórion, agora radicado na Califórnia.

O Jiu-jitsu esteve desde cedo associado ao trabalho para Rolls: com 11, 12 anos, ia depois da escola ajudar na academia Gracie da Av. Rio Branco número 171, no Centro do Rio. Nesta época, Rolls ainda morava na casa do Professor Hélio, mas o contato com o pai era freqüente: além de alguns finais de semana em Teresópolis, Carlos via o filho duas ou três vezes por semana, quando descia a Serra para levar e trazer a centena de quimonos da lavanderia mantida em sua casa, e aproveitava para comprar queijo Cremelino no laticínio da Rua da Assembléia.

O amigo "Pimpo" apareceu na vida deste garoto feliz que chamava duas pessoas de pai quando ambos cursavam o primário na Escola Estadual Cássio Barcelos: "O Rolls era muito brincalhão", lembra Pimpo. "Um ministro do supremo morava no mesmo prédio que ele, e o motorista do ‘figurão’ diariamente o aguardava na porta do edifício com um carrão branco, o qual ficava polindo minuciosamente. O Rolls esperava o carro estar bem limpo e lá do 7º andar jogava mamão podre, sujando completamente o veículo. O cara ficava revoltado".

Um dos motivos de seu crescimento sadio, a Dieta Gracie era motivo de espanto dos amigos de escola e de rua: "Não me lembro de ter visto o Rolls comer fora de hora. A quantidade de frutas que ingeria na mesma refeição nos impressionava. A gente só comia fruta na sobremesa, enquanto ele fazia uma refeição completa!", se espanta Pimpo, justificando a presença dos mamões que eram jogados no carro do ministro.

Fato raro na época, desde os 12 anos Rolls começou a viajar. Sua mãe legítima era funcionária da Lufthansa e por isso conseguia passagens áreas mais baratas: "Depois de algumas vindas para cá, ele já falava inglês melhor que eu, pois aprendeu ainda criança e não tinha o menor sotaque", explica Cláudia, ainda moradora do número 418E na 77th, em Manhattan, aonde o garoto se hospedava nas viagens. "De lá, Rolls partia para o resto dos Estados Unidos, que conheceu bem", completa. Antes da maioridade, o Gracie então fez uma viajem um pouco mais longa pela Europa, e voltou de lá com uma bagagem forte. Visitou os principais museus, apurou o gosto pelas artes e aprendeu um pouco de italiano. Estava culturalmente pronto para se engajar na tarefa de ser o maior dos campeões.

ÉPOCA DE OURO

"Se eu não tivesse levado um susto, não tinha acordado", dizia o campeão para sua esposa. Que susto foi este ninguém precisa, mas pode ter sido uma seqüência de fatos. Rolls viveu sua maioridade em um período conturbado. O amigo Paulinho "Perigão" foi preso e morto pela ditadura, e em 72 o Gracie chegou a ser detido junto com o irmão Róbson, acusados de subversão ao sistema. Foi apenas um dia de cadeia, mas certamente serviu de experiência.

Nos tatames, quando já se achava que Rolls era o campeão absoluto, um treino com o forte Cícero, aluno do Barradas, de Niterói, mostrou que o jovem não estava tão bem assim. "Ninguém finalizou ninguém, mas ele não venceu como se esperava. Se existisse contagem de pontos, teria perdido por uma queda", lembra Reyson. "Nunca mais o Cícero quis treinar com ele depois disso", constata outro irmão, Carlson, espécie de ídolo para Rolls.

Até pela sua formação cultural, o adolescente tinha mente aberta, e nem pestanejou quando Reyson começou, bem antes do episódio com Cícero, a lhe incentivar a praticar mais em pé: "Ele se dedicava bastante, o problema é que chegamos a um ponto em que senti que não tinha mais o que ensinar para ele. Ele já me ganhava com 16 anos. Então o levei para treinar com o Osvaldo Alves, aluno do Shunji Hinata. Osvaldo tinha uma boa técnica, já tinha até morado no Japão".

"No início de 70, o Sérgio Êris, aluno do Carlson conhecido como "Serginho de Niterói", era um fenômeno e tinha vencido o Carley. Foi nesta época que o Rolls apertou seu treinamento", se recorda Osvaldo. "Ele não deixava de malhar um dia: corria 3 quilômetros, dava piques de 100 e de 300 metros e fazia carga de 80 metros na areia fofa. Também treinava ginástica olímpica, subia ladeiras e fazia muita barra e flexão. Quando aconteceu o treino entre os dois, ele já era um absurdo, finalizava qualquer um. Não deu outra: era um sábado, e na academia do Carlson em cima da Copenhagen, na Av. Copacabana, o Rolls venceu o Serginho, já era o melhor.

"A persistência fez do Rolls um fenômeno" Carlson Gracie

"A gente comentava que quando o Rolls entrava para lutar, seu olhar era igual ao daquele personagem dos quadrinhos, o ‘fantasma" gelava o sangue do adversário..." Romero "Jacaré"

"Tudo dele foi depressa o Rolls não perdeu tempo"

"Quem disser que tinha alguém próximo ao nível dele não está sendo justo. O Rolls estava 30 anos na frente de qualquer um" - Osvaldo Alves.

"O Rolls era determinado, valente, brincalhão, guerreiro e leal". Rórion Gracie

Sempre disposto a se testar, o campeão da família vivia indo a outras academias para treinar. Pela profunda admiração que nutria pelo irmão mais velho Carlson, e também por ser ele o professor dos faixas-preta mais cascas-grossa da época, sua academia era uma das preferidas. "Ele era enjoado, ia sempre comigo para Niterói, treinava com todo mundo, e se via uma posição nova, repetia até aprender completamente. Não foi a toa que se tornou um fenômeno" justifica Carlson.

Mas impressionar em treinos n‹o era suficiente para popularizar o Jiu-jitsu. Rolls então começou a incentivar as competições que até então ocorriam a cada 2, 3 anos. No segundo final de semana de dezembro de 73, com 22 anos, venceu o absoluto do primeiro torneio do Estado da Guanabara. "Eu era mais forte e ele me finalizou", enaltece Maurício Robbe, faixa preta do Mestre Pedro Hemetérito. "Me mudei de São Paulo para o Rio e fui treinar com ele", completa Robbe, hoje na Bahia. Menos de um ano depois, venceu o torneio no Clube Sírio Libanês: "Nossa luta não terminou. A queda que tomei quebrou minha clavícula", recorda o ex-fuzileiro Edir, que virou monge budista.

Até o fatídico acidente de asa, Rolls venceu todos adversários que encontrou em treinos ou em campeonatos de Jiu-jitsu. Ninguém lembra de ter visto ele cansar ou alguém passar, "Ê Vera", sua guarda. Batalhava por patrocínios e não deixava passar grande período sem haver campeonatos. Adorava lutar. Adorava incentivar seus alunos. Brigou pela organização e foi responsável pela confecção dos primeiros certificados e medalhas. Sem adversários no Jiu-jitsu, mais tarde lutou luta-livre, greco e sambo. Foi completo, e nunca esqueceu a defesa pessoal. "Ele era instrutor de artes marciais da academia de polícia", conta o delegado Álvaro Luiz, "e vivia elaborando novos golpes, variações de defesas de facadas e etc".

Em 76, Rolls fez seu único vale-tudo. "Foi veneno de um apresentador", acusa Rórion. "Eu e meu pai tínhamos feito uma demonstração na TV Tupi, e alguns dias depois um professor de karate também foi ao programa. O apresentador então questionou a eficiência do karatê contra o Jiu-jitsu e o professor disse que eram capazes de "arrebentar o Jiu-jitsu’. Estava lançado o desafio. Todos do Jiu-jitsu venceram e ele fez a luta principal, lá no Clube Olímpico, com o professor da academia adversária, um cara muito grande chamado Paulo. Foi aquela vitória que está filmada e quase todo praticante de lutas já viu. Ele derrubou, pegou as costas e venceu o adversário facilmente", constata o irmão.

FAMÍLIA

"Eu estava indo experimentar um vestido de noiva, em 74", lembra Ângela, de Boca Raton, onde mora. "O Arthur Virgilio Neto, deputado federal e líder do governo na Câmara, que me paquerava, gritou meu nome. Quando me virei, não consegui vê-lo, só quem estava junto, o amigo Rolls, que já conhecia, mas nunca tinha reparado daquela forma. Fui correndo para a costureira e disse: ‘Pode esquecer o vestido, mudei de idéia. Vou me casar com outra pessoa’. Ela não acreditou".

Rolls estava namorando. "Não me lembro de outras namoradas sérias dele", pensa a irmã Reyla, 9 anos mais nova. "Foi um rebuliço na família. Quando a Ângela apareceu, só se falava desse romance lá em casa". Noutros tempos, sua namorada não era exemplo da mulher preferida para os pais, principalmente para o conservador clã Gracie. Estudada, namorava desde cedo e trabalhava. Já naquele tempo perfilava a mulher moderna de hoje. "Eu tinha morado na França, e ele já tinha ido a Europa duas vezes. Tínhamos os mesmos gostos", explica Ângela.

Em 76, o namoro tinha progredido e Rolls foi morar com Ângela em edif’cio "cult" na ladeira da Santa Leocádia, entre a Barão de Ipanema e a Bolívar, em Copacabana. Na mesma época, Mestre Carlos morava em Ipanema, na Rua Redentor, e Rolls então passou a ter um convívio maior com o pai. "Todo dia ele ia almoçar lá em casa", lembra Reyla, "E chantageava as irmãs para fazer uma massagem antes da sesta". Era sempre visto com os parentes mais novos. Adorava a molecada. "Às vezes tocava o telefone e era o Rolls me chamando para ir ao cinema", sente saudades Royler. "íamos a filmes censurados. Com menos de 10 anos formos ver ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’, eu o Royce, a Ângela e o Rolls. Ele entrou, abriu a porta de trás e colocou a gente para dentro. Foi inesquecível!".

As irmãs também não tinham do que reclamar. "Ele era diferente dos outros homens da família, não era machista", vibra Reyla. "Em vez dele espantar os amigos da gente, nem se importava. Uma vez me convidou para um fim de semana na sua casa em Búzios. Eu, ele, a Ângela e um amigo dele, o Mário Gomes. Eu e o Mário acabamos dando uns beijos e eu morri de medo do Rolls, mas ele, que pode até não ter gostado, não falou nada. Imagina isso nos anos 70 e na família Gracie!". Mas Rolls era assim, carismático e bastante à frente da sua época.

Em 77 Rolls e Ângela teriam o primeiro filho, morto no parto. "Nós ficamos muito abalados, mas alguns meses depois fiquei grávida do Rollezinho", lembra Ângela. "O Rolles tinha apenas alguns meses e ele o levou para a academia.", conta o aluno Alvinho (Romano, criador da Ginástica Natural). "Colocou o bebê no cantinho do ringue e disse: Vou deixar ele aqui para já ir sentindo o cheiro do tatame". Sua mulher não teve refresco e em 79, pelo terceiro ano seguido, engravidou do segundo filho, Igor. A semente estava plantada.

RUA FIGUEIREDO MAGALHÃES, 414

Em 8 anos juntos, Ângela acompanhou Rolls nas principais passagens, levando frutas e tâmaras para os campeonatos para que o jovem magrelo chegasse aos 70 quilos. "Me lembro quando ele abriu a academia no prédio 414 da Figueiredo Magalhães", conta. "Em 74, fui com o Rolls ver uma amiga minha que era gerente do Bradesco para ele arranjar um empréstimo". Rolls deixara de dar aula com o professor Hélio na academia da Cidade, passando a dividir espaço com Carlson em Copacabana.

A sua academia em Copacabana marcou época. Foram lá seus principais treinos, vez por outra reunia os melhores lutadores e os enfileirava, independente do nível. Foi lá também que montou seu time de competição. Primeiro, Fábio Macieira, Paulo "Conde", Talarico, Nissinho Azulay, Carlinhos (Gracie Jr.), Ricardo Azoury, Márcio "Macarrão", "Mauricío" Motta, Romero "Jacaré". Depois, Crólin e Rilion Gracie, Álvaro Romano, Fábio Santos, Rodrigo Mazor, Carlinhos "Soneca", Renan Pitangui e muitos outros.

"Ele era o professor perfeito. Dizia as palavras certas nas horas certas", admira Rilion. "Uma vez, em uma competição no Flamengo, eu tinha lutado 6 vezes, venci o juvenil e tentava o adulto. Estava cansado, sentei num canto, desanimado, e reclamei: ‘Tô morto". Ele bateu no meu ombro e falou bem alto: ‘’É campe‹o, mas vitória sem sacrifício não vale nada’. Aquilo me acordou e acabei vencendo", comemora.

De novo as viagens ajudaram nas inovações. "Depois de trazer as primeiras câmeras de vídeo em VHS, Rolls passou a filmar os treinos e tirar um dia para as correções", lembra Alvinho. "E foi ele que inventou o treino que hoje chamamos de interval, em que os pares se alinham e vão trocando de temos em tempos. O método veio com a necessidade de encurtar os treinos aos sábados, pois todos queriam sair. Em quarenta minutos todo mundo já tinha se exercitado", explica.

Dois dos principais braços da escola de Rolls são hoje a Alliance, através do Jacaré, e a Gracie Barra, de Carlos Gracie Jr. "Espelhado no seu exemplo de incentivo aos campeonatos, fundei a Confederação Brasileira de Jiu-jitsu", reconhece Carlinhos. "Quando o Rolls morreu, eu deixei de competir. Hoje eu vejo a importância que ele tinha no meu estímulo, pois na verdade eu não lutava por mim, e sim por ele. E procuro incentivar meus alunos para que disputem todos os campeonatos, como ele fazia", justifica.

Sempre ligado à natureza, Rolls levava os alunos para uma corrida nas Paineiras às segundas-feiras, local em que a equipe de competição ia também nas vésperas dos campeonatos, para uma descontraída e inspiradora caminhada. E desta forma, acompanhando e incentivando os alunos, o líder foi ganhando adeptos. Quem chegava na academia meio desorientado, se aprumava. Os treinos eram mais que apuradores da técnica. Era importante a questão filosófica e até a política. "Já na década de 70, Rolls já não usava nenhum aerosol, preocupado com a camada de ozônio", lembra Ricardo Azoury, aluno e um dos melhores amigos do campeão. Por essas e outras, Rolls transcendeu o Jiu-jitsu.

"O Rolls transformou uma geração. Tenho mais de 50 conhecidos que passaram na sua mão e trocaram as drogas pelo culto à saúde". - Álvaro Romano

"Por mais ciúme que isso venha a causar, a verdade _ que o Rolls era o melhor coração entre todos os Gracie que já conheci". - Hélio Gracie

"Ele dizia que seu sonho era ter dinheiro para abrir uma academia gratuita em que só treinariam os que se dedicassem ao Jiu-jitsu". Ângela

O ÚLTIMO VÔO

"O Rolls era tão valente que chegava a ser suicida", confessa Mestre Hélio. Mas esta sua ousadia inata talvez o tenha levado à uma morte prematura. Só andava de carro em alta velocidade, tanto é que capotou duas vezes. "Íamos para São Paulo, e ele acelerou com a Variant, que não completou em quatro rodas a curva da Av. Atlântica com Rua Siqueira Campos", lembra Pimpo. Não era um exímio surfista, mas adorava o esporte, e "não havia mar em que não entrasse", como dizem os amigos da época. "Éramos contra a moto também", observa Reyson, em alusão às modernas máquinas da Zona Franca de Manaus que Rolls comprava. "pouco antes dele morrer fui fazer queixa com Tio Hélio, pois o vi carregando o Igor e o Rolles na garupa".

Mas foi no ar, local onde era menos talentoso, que o seu "corpo fechado" não mais funcionou. Rolls começou a voar nos primórdios da asa delta, por influência do surfista Adolfo Gentil, amigo com quem dividiu casa em Saquarema. E o início já foi dramático. "O seu instrutor morreu porque voou sem amarrar o mosquetão", conta Ricardo Azoury. "E ele sem estar preparado montou a asa e se atirou, em homenagem ao cara. Completou o vôo aos trancos e barrancos". Começou mal. Uma vez, durante um campeonato, caiu da asa dois dias seguidos e foi manchete dos jornais. Mas mesmo diante de um "provável aviso", como considerou Reyson, não parou.

Faziam seis meses que havia prometido à esposa não mais voar, quando em um final de semana foi conhecer Visconde de Mauá com o amigo Luiz Fernando, esposas e filhos. "Na sexta-feira de manhã, dia 4, o Pepê entrou no tatame para treinar e o Rolls perguntou para ele os detalhes da rampa da cidade", lembra Fernando do início do drama. "Nos hospedamos na fazenda Bühler, em Maringá, e estava no saguão no Domingo, quando entrou um amigo meu chamado Zé João, que estava morando por lá. Ele estava justamente indo usar o único telefone da região (que ficava na fazenda) para marcar um vôo, e o Rolls passou pelo seu carro e viu a asa, que por coincidência tinha sido sua, há muito tempo. Quando notou que eu conhecia o Zé, foi logo pedindo para dar um vôo. A Ângela ficou uma arara, mas não teve jeito, marcaram para uma da tarde.

"Quando íamos chegando na rampa, encontramos com Zé João voltando. Emparelhamos os carros, o Zé disse: ‘Não dá, não tem vento’. E o Rolls teimou: ‘O que é isso campeão, dá para dar pelos menos um vôo, vamos lá’. O Zé não quis, mas concordou em emprestar a asa. Ele montou a asa em profundo silêncio, enquanto o Rollezinho e o Fernandinho (Vasconcelos, atual campeão mundial de JJ) faziam a maior zona. Ele nem deu atenção e me dirigiu suas últimas palavras: ‘campeão, levanta a asa para eu regular o sarcófago’. Ele fez todos os ajustes e correu para pular. A Ângela desejou: ‘Bom vôo, meu amor’ e o Rollesinho acompanhou: ‘Bom vôo, papai’. E ele foi. A asa subiu um pouco para direita, e rapidamente embicou para esquerda, caindo. Todos entraram em pânico e eu saí correndo, descendo a ladeira me agarrando no mato alto. Quando cheguei na asa, bastante longe, seus olhos azuis estavam abertos apontando para cima à direita. Os braços estavam rígidos, como se lutasse para asa subir. Parecia intacto, mas já estava morto", se resigna Luiz Fernando. A tragédia foi no dia 6 de junho de 1982.

Desde cedo Rolls Gracie viveu intensamente, e uma das partes mais complicadas na tarefa de remontar sua história é descobrir como o campeão arranjou espaço na agenda para fazer tanta coisa ao mesmo tempo. "Ele fazia questão de dormir oito horas por dia", complica Azoury. "Na sexta à noite, ele questionava: "não sei se vou para Búzios, Teresópolis ou Nova York’. E o pior _ que a dúvida existia, não era tiração de onda", arremata. Em tão poucos anos, competiu, ensinou, treinou, malhou, surfou, voou, viajou, montou a cavalo, dedicou tempo à família e aos amigos, estudou, aprendeu, e revolucionou e retomou o Jiu-jitsu. Não virou uma lenda por acaso.

LEGADO

Mais concreto que os exemplos e técnica deixados por Rolls são os filhos Igor (19) e Rolles (20), que testemunharam a tragédia ocorrida com o pai, mas guardam poucas lembranças dele: "Me lembro de algumas visitas ao Parque da Cidade e quando ele comprava fogos de artif’cio para eu brincar", conta Rolles. "Quando vejo fotos me vêm algumas recordações, mas só isso", lamenta Igor, que tinha pouco mais de 2 anos na época do acidente.

"Nossa maior referência é quando encontramos com as pessoas e elas se emocionam", diz Igor, "falam que ele era um grande líder e que unia o Jiu-jitsu", completa Rolles, do alto dos seus 1,95 metro, e 97 quilos, medidas bem mais generosas que as do pai. "Peso conta cada vez mais, mas dizem que meu pai compensava a falta de corpo com muita técnica", se orgulha Rolles. Com certeza Rolls passou para o primeiro filho toda sua obsessão em ser maior e mais pesado, e ainda sobrou para Igor, um pouco mais baixo, mas já com 75Kg, mais do que o pai jamais teve.

Os garotos certamente treinaram na infância menos do que Rolls gostaria, mas procuram compensar o tempo perdido. Em setembro de 98, Igor deixou a casa da mãe na Flórida e veio morar com o tio Carlos Gracie Jr., e desde ent‹o treina diariamente duas vezes por dia. De janeiro para cá já participou de 4 campeonatos e suas atuações melhoram em progressões geométrica. Já Rolles, começou a procura por suas raízes há um pouco mais de tempo, e com 17 anos foi morar no Sul com outro tio, Rilion. Mais conhecido no cenário competitivo que o irmão, já foi vice-campeão mundial, vice-brasileiro e campeão pan-americano. Agora está também no Rio, se dedicando integralmente ao esporte.

"Tenho me destacar para que voltem a falar do meu pai", justifica Rolles, "mas não quero a obrigação de ter que ser como ele", arremata. Apesar de terem uma longa corrida pela frente, os dois prometem se esforço o máximo possível para dar continuidade à dinastia da família, se profissionalizando como lutadores e professores de Jiu-jitsu. Uma vantagem já carregam na largada: o caráter e a índole de Rolls, observação unânime de todos que os conhecem e também conheceram o grande campeão.

"O Rolls era fabuloso. Na sua época podia enfileirar os 10 melhores lutadores

facilmente. Era o líder que o esporte precisava e, não fosse o seu falecimento, o Jiu-jitsu estaria muito mais unido". Rilion Gracie

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Rolls, a lenda da Família Gracie"

Extraido da Revista Gracie magazine #29, pgs. 28 a 37.

Reprodução Autorizada

Os mais antigos contam os feitos de um jovem magro de olhos azuis, que conquistou o posto de campeão da família Gracie nos anos 70, levantando a bandeira do Jiu-Jitsu e se tornando ídolo de uma geração pelos exemplos de postura e caráter, e atuação no campo de batalha.

Aos mais novos cabe, na maioria das vezes sem saber, colher os frutos que Rolls Gracie plantou, e escutar suas façanhas de outras fontes, pois um estúpido vôo errado de asa-delta deixou de fora do cenário que forjou, prematuramente, o personagem que marcou uma época.

"Existe uma era antes e outra depois do Rolls, às vezes fico chateado por não ter tido mais acesso à sua técnica que revolucionou o Jiu-Jitsu"-Royler Gracie.

A RETOMADA DO JIU-JITSU

Nos anos 60, houve a proibição do programa "Heróis do Ringue", de luta-livre (o vale-tudo de hoje em dia), e o Jiu-jitsu sofreu um grande baque. Com o abandono da mídia, diminuía a repercussão dos feitos de Carlos, Hélio, Carlson e os demais parentes e alunos da academia Gracie. Coincidiu com a época em que o judô se tornou esporte olímpico, e que o karate estava em evidência, propagandeado pelos filmes americanos.

Para uma retomada, o Jiu-jitsu precisava de um campeão do esporte, alguém com técnica, carisma e liderança para influenciar uma geração de jovens, que a esta altura ou encontrava-se engajada na luta contra a ditadura militar ou totalmente alienada no Píer de Ipanema ou no Arpoador, muitas vezes ligada às drogas.

Rolls Gracie assumiu esta responsabilidade. Exemplo de persistência e habilidade, o garoto de nome estranho (pronuncia-se Rolis) criado no edifício 14 da Rua Bolívar, em Copacabana, perto do cinema Roxy, se esforçou para ser o melhor da época: introduziu a preparação física no seu treinamento e golpes de outras modalidades de luta no seu repertório. Estimulou a realização de competições de Jiu-jitsu esportivo e se aproximou dos contemporâneos praticando surf e asa delta. Tornou-se formador de opinião de centenas de jovens da Zona Sul do Rio de Janeiro.

Viajou o mundo em busca de conhecimento, apresentou seu estilo e disputou sambo (luta de origem russa semelhante ao Jiu-jitsu) e luta olímpica em outros países. Aonde passava, impressionava a todos com a versatilidade e velocidade que usava seus menos de 70 quilos, seja para uma ida para as costas, um seoi agachado ou uma remada entre ondas gigantes. Fora do plano esportivo, conquistava qualquer um com seu carisma, coração e cultura. O filho de Carlos criado por Hélio era o ponto de equilíbrio da família Gracie.

Mas, no auge da forma e das conquistas, um traiçoeiro morro em Visconde de Mauá, cidade do interior do Rio de Janeiro, foi o cenário para a embicada de uma asa delta emprestada que tirou da cena o ídolo dos anos 70, de forma tão impressionante quanto suas lutas relâmpago, e com apenas 31 anos de idade. O campeão deixou uma geração de órfãos.

"O Jiu-jitsu que aprendi é um patrimônio e me ajuda nas decisões, devo isso à família Gracie e ao Rolls, um verdadeiro irmão" . -Arthur Virgílio Neto

VERSÁTIL

A competição era a força-motriz da vida de Rolls. "Eu era garoto, e alguém chegou na academia dizendo que tinha um campeonato de karatê no fim de semana", lembra Royler. "E ele respondeu, ‘Então inscreve a gente lá. Não entendi nada, mas o Rolls era assim, topava qualquer parada". Só que lá para as tantas, não tinha mais adversário que se apresentasse nos campeonatos de Jiu-jitsu quando o Gracie estava inscrito.. Ele passou a ver na luta livre olímpica um desafio pessoal, e uma chance talvez de disputar as Olimpíadas, seu maior sonho.

Em uma das suas viagens para o exterior, em 79, o amigo John, de Nova York, lhe apresentou Bob Anderson, pentacampeão americano de wresting. O gringo de 100 quilos então veio ao Brasil, ficou na casa de Rolls e deu aulas em sua academia por dois meses. Mesmo sem nunca ter treinado com Rolls, Bob provocava: "Só aqui no Brasil um magricela feito você pode ser campeão absoluto". Apesar da revolta dos alunos e de sua esposa Ângela, o Gracie nem se doía. A brincadeira entrava por um ouvido, saía pelo outro.

Mas, por qualquer motivo que não a vaidade, Rolls o convidou para dar um treino no dia anterior à sua partida para a América. O gigante bateu inúmeras vezes, e se irritou, jogando o kimono no chão: "Isso me atrapalha, vamos ver do meu jeito! (sem kimono)". "Gravatas, americanas e pegadas pelas costas seguiram a declaração", como conta um monte de testemunhas que assistiu ao treino. Bob se resignou, e a partir deste dia, reverenciou o "subnutrido".

Tanto a que dois meses depois convidou o brasileiro para competir no Panamericano de Sambo em San Diego. Rolls aceitou, é claro. Era uma conquista pessoal reunir as duas coisas que mais gostava: competir e viajar. Aprendeu as regras pelo telefone e partiu para a Califórnia com Ângela, grávida do segundo filho Igor. Lá chegando, se surpreendeu com uma comitiva da FILA (Federação Internacional de Lutas Amadoras), que a convite de Bob foi ao campeonato para ver sua performance. Apesar de não valer estrangulamentos, o estilo era parecido com o Jiu-jitsu e ele venceu seus adversários facilmente. Os dirigentes pediram para ele ficar mais um dia e Bob avisou: "Vai ter que lutar amanhã de novo".

Seria um prazer. "De volta ao estádio no dia seguinte", lembra Ângela, "tinham 8 atletas: judocas, lutadores de sambo, greco, luta-livre e até um de uma luta de torção, que vestia uma calça amarela. Rolls enfileirou todos quase que sem intervalo", se orgulha a esposa. Impressionados, os membros da FILA convidaram-no para se mudar para os Estados Unidos e ser instrutor no centro americano de aperfeiçoamento de lutas. O salário mensal era de 5 mil dólares, uma fortuna para a época. Segundo Bob, "todos se impressionaram com sua criatividade e versatilidade. Ele era capaz de anular qualquer golpe de qualquer outra modalidade".

"Chegando ao Brasil, tio Hélio o pediu para não ir, pois o Jiu-jitsu não podia se abster da presença do campeão da família na época. O Rolls concordou imediatamente, mas eu fiquei frustada, pois era uma grande oportunidade na nossa vida", lamenta Ângela. De qualquer forma, toda essa experiência em outras lutas foi primordial para Rolls, apontado por muitos como a ponte entre o Jiu-jitsu antigo e o praticado nas competições de hoje em dia. "Ele adaptou movimentos e introduziu-os no Jiu-jitsu", observa o irmão Róbson. "Teve época de eu ver a família reunida, o Rolls dando o treino e ninguém, nem os mais graduados, opinar em nada, pois ensinava variações de posições desconhecidas", arremata. Muito usados hoje em dia, catadas de perna, inversões, e o jogo ofensivo foram mérito do professor e sua versatilidade metafísica.

BAGAGEM

O patriarca da família Gracie, Carlos morreu em 1994, com 92 anos e convicto de que o sexo tinha a finalidade œnica da procriação. Em 1950 se revoltou com a atitude de sua segunda esposa, Geny, de não ter um filho. "Quase que de pirraça, procurou outra mãe para o seu 15º descendente", revela o irmão Reyson" e então conheceu Cláudia, que aceitou o papel. Geny não quis criar o bebê (nascido em 28 de março de 51), e o tio Hélio recebeu a custódia de Rolls, com apenas 4 meses de idade".

Meio ano mais tarde, Hélio teve seu primeiro filho legítimo, Rórion, em seguida nasceu Relson, e alguns anos depois, Rickson. Os quatro foram criados juntos, e segundo o pai adotivo. "o Rolls era uma criança encapetada, mas de muito boa índole". Ele era um garoto franzino super ativo, que não parava um minuto. E naturalmente protagonizou algumas brigas: "Temos uma filmagem dele com uns seis anos brigando com outro garotinho na praia. É super engraçado, porque eu não me meto, mas fico ao redor fazendo mímica e gestos, como se torcesse para ele", lembra Rórion, agora radicado na Califórnia.

O Jiu-jitsu esteve desde cedo associado ao trabalho para Rolls: com 11, 12 anos, ia depois da escola ajudar na academia Gracie da Av. Rio Branco número 171, no Centro do Rio. Nesta época, Rolls ainda morava na casa do Professor Hélio, mas o contato com o pai era freqüente: além de alguns finais de semana em Teresópolis, Carlos via o filho duas ou três vezes por semana, quando descia a Serra para levar e trazer a centena de quimonos da lavanderia mantida em sua casa, e aproveitava para comprar queijo Cremelino no laticínio da Rua da Assembléia.

O amigo "Pimpo" apareceu na vida deste garoto feliz que chamava duas pessoas de pai quando ambos cursavam o primário na Escola Estadual Cássio Barcelos: "O Rolls era muito brincalhão", lembra Pimpo. "Um ministro do supremo morava no mesmo prédio que ele, e o motorista do ‘figurão’ diariamente o aguardava na porta do edifício com um carrão branco, o qual ficava polindo minuciosamente. O Rolls esperava o carro estar bem limpo e lá do 7º andar jogava mamão podre, sujando completamente o veículo. O cara ficava revoltado".

Um dos motivos de seu crescimento sadio, a Dieta Gracie era motivo de espanto dos amigos de escola e de rua: "Não me lembro de ter visto o Rolls comer fora de hora. A quantidade de frutas que ingeria na mesma refeição nos impressionava. A gente só comia fruta na sobremesa, enquanto ele fazia uma refeição completa!", se espanta Pimpo, justificando a presença dos mamões que eram jogados no carro do ministro.

Fato raro na época, desde os 12 anos Rolls começou a viajar. Sua mãe legítima era funcionária da Lufthansa e por isso conseguia passagens áreas mais baratas: "Depois de algumas vindas para cá, ele já falava inglês melhor que eu, pois aprendeu ainda criança e não tinha o menor sotaque", explica Cláudia, ainda moradora do número 418E na 77th, em Manhattan, aonde o garoto se hospedava nas viagens. "De lá, Rolls partia para o resto dos Estados Unidos, que conheceu bem", completa. Antes da maioridade, o Gracie então fez uma viajem um pouco mais longa pela Europa, e voltou de lá com uma bagagem forte. Visitou os principais museus, apurou o gosto pelas artes e aprendeu um pouco de italiano. Estava culturalmente pronto para se engajar na tarefa de ser o maior dos campeões.

ÉPOCA DE OURO

"Se eu não tivesse levado um susto, não tinha acordado", dizia o campeão para sua esposa. Que susto foi este ninguém precisa, mas pode ter sido uma seqüência de fatos. Rolls viveu sua maioridade em um período conturbado. O amigo Paulinho "Perigão" foi preso e morto pela ditadura, e em 72 o Gracie chegou a ser detido junto com o irmão Róbson, acusados de subversão ao sistema. Foi apenas um dia de cadeia, mas certamente serviu de experiência.

Nos tatames, quando já se achava que Rolls era o campeão absoluto, um treino com o forte Cícero, aluno do Barradas, de Niterói, mostrou que o jovem não estava tão bem assim. "Ninguém finalizou ninguém, mas ele não venceu como se esperava. Se existisse contagem de pontos, teria perdido por uma queda", lembra Reyson. "Nunca mais o Cícero quis treinar com ele depois disso", constata outro irmão, Carlson, espécie de ídolo para Rolls.

Até pela sua formação cultural, o adolescente tinha mente aberta, e nem pestanejou quando Reyson começou, bem antes do episódio com Cícero, a lhe incentivar a praticar mais em pé: "Ele se dedicava bastante, o problema é que chegamos a um ponto em que senti que não tinha mais o que ensinar para ele. Ele já me ganhava com 16 anos. Então o levei para treinar com o Osvaldo Alves, aluno do Shunji Hinata. Osvaldo tinha uma boa técnica, já tinha até morado no Japão".

"No início de 70, o Sérgio Êris, aluno do Carlson conhecido como "Serginho de Niterói", era um fenômeno e tinha vencido o Carley. Foi nesta época que o Rolls apertou seu treinamento", se recorda Osvaldo. "Ele não deixava de malhar um dia: corria 3 quilômetros, dava piques de 100 e de 300 metros e fazia carga de 80 metros na areia fofa. Também treinava ginástica olímpica, subia ladeiras e fazia muita barra e flexão. Quando aconteceu o treino entre os dois, ele já era um absurdo, finalizava qualquer um. Não deu outra: era um sábado, e na academia do Carlson em cima da Copenhagen, na Av. Copacabana, o Rolls venceu o Serginho, já era o melhor.

"A persistência fez do Rolls um fenômeno" Carlson Gracie

"A gente comentava que quando o Rolls entrava para lutar, seu olhar era igual ao daquele personagem dos quadrinhos, o ‘fantasma" gelava o sangue do adversário..." Romero "Jacaré"

"Tudo dele foi depressa o Rolls não perdeu tempo"

"Quem disser que tinha alguém próximo ao nível dele não está sendo justo. O Rolls estava 30 anos na frente de qualquer um" - Osvaldo Alves.

"O Rolls era determinado, valente, brincalhão, guerreiro e leal". Rórion Gracie

Sempre disposto a se testar, o campeão da família vivia indo a outras academias para treinar. Pela profunda admiração que nutria pelo irmão mais velho Carlson, e também por ser ele o professor dos faixas-preta mais cascas-grossa da época, sua academia era uma das preferidas. "Ele era enjoado, ia sempre comigo para Niterói, treinava com todo mundo, e se via uma posição nova, repetia até aprender completamente. Não foi a toa que se tornou um fenômeno" justifica Carlson.

Mas impressionar em treinos n‹o era suficiente para popularizar o Jiu-jitsu. Rolls então começou a incentivar as competições que até então ocorriam a cada 2, 3 anos. No segundo final de semana de dezembro de 73, com 22 anos, venceu o absoluto do primeiro torneio do Estado da Guanabara. "Eu era mais forte e ele me finalizou", enaltece Maurício Robbe, faixa preta do Mestre Pedro Hemetérito. "Me mudei de São Paulo para o Rio e fui treinar com ele", completa Robbe, hoje na Bahia. Menos de um ano depois, venceu o torneio no Clube Sírio Libanês: "Nossa luta não terminou. A queda que tomei quebrou minha clavícula", recorda o ex-fuzileiro Edir, que virou monge budista.

Até o fatídico acidente de asa, Rolls venceu todos adversários que encontrou em treinos ou em campeonatos de Jiu-jitsu. Ninguém lembra de ter visto ele cansar ou alguém passar, "Ê Vera", sua guarda. Batalhava por patrocínios e não deixava passar grande período sem haver campeonatos. Adorava lutar. Adorava incentivar seus alunos. Brigou pela organização e foi responsável pela confecção dos primeiros certificados e medalhas. Sem adversários no Jiu-jitsu, mais tarde lutou luta-livre, greco e sambo. Foi completo, e nunca esqueceu a defesa pessoal. "Ele era instrutor de artes marciais da academia de polícia", conta o delegado Álvaro Luiz, "e vivia elaborando novos golpes, variações de defesas de facadas e etc".

Em 76, Rolls fez seu único vale-tudo. "Foi veneno de um apresentador", acusa Rórion. "Eu e meu pai tínhamos feito uma demonstração na TV Tupi, e alguns dias depois um professor de karate também foi ao programa. O apresentador então questionou a eficiência do karatê contra o Jiu-jitsu e o professor disse que eram capazes de "arrebentar o Jiu-jitsu’. Estava lançado o desafio. Todos do Jiu-jitsu venceram e ele fez a luta principal, lá no Clube Olímpico, com o professor da academia adversária, um cara muito grande chamado Paulo. Foi aquela vitória que está filmada e quase todo praticante de lutas já viu. Ele derrubou, pegou as costas e venceu o adversário facilmente", constata o irmão.

FAMÍLIA

"Eu estava indo experimentar um vestido de noiva, em 74", lembra Ângela, de Boca Raton, onde mora. "O Arthur Virgilio Neto, deputado federal e líder do governo na Câmara, que me paquerava, gritou meu nome. Quando me virei, não consegui vê-lo, só quem estava junto, o amigo Rolls, que já conhecia, mas nunca tinha reparado daquela forma. Fui correndo para a costureira e disse: ‘Pode esquecer o vestido, mudei de idéia. Vou me casar com outra pessoa’. Ela não acreditou".

Rolls estava namorando. "Não me lembro de outras namoradas sérias dele", pensa a irmã Reyla, 9 anos mais nova. "Foi um rebuliço na família. Quando a Ângela apareceu, só se falava desse romance lá em casa". Noutros tempos, sua namorada não era exemplo da mulher preferida para os pais, principalmente para o conservador clã Gracie. Estudada, namorava desde cedo e trabalhava. Já naquele tempo perfilava a mulher moderna de hoje. "Eu tinha morado na França, e ele já tinha ido a Europa duas vezes. Tínhamos os mesmos gostos", explica Ângela.

Em 76, o namoro tinha progredido e Rolls foi morar com Ângela em edif’cio "cult" na ladeira da Santa Leocádia, entre a Barão de Ipanema e a Bolívar, em Copacabana. Na mesma época, Mestre Carlos morava em Ipanema, na Rua Redentor, e Rolls então passou a ter um convívio maior com o pai. "Todo dia ele ia almoçar lá em casa", lembra Reyla, "E chantageava as irmãs para fazer uma massagem antes da sesta". Era sempre visto com os parentes mais novos. Adorava a molecada. "Às vezes tocava o telefone e era o Rolls me chamando para ir ao cinema", sente saudades Royler. "íamos a filmes censurados. Com menos de 10 anos formos ver ‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’, eu o Royce, a Ângela e o Rolls. Ele entrou, abriu a porta de trás e colocou a gente para dentro. Foi inesquecível!".

As irmãs também não tinham do que reclamar. "Ele era diferente dos outros homens da família, não era machista", vibra Reyla. "Em vez dele espantar os amigos da gente, nem se importava. Uma vez me convidou para um fim de semana na sua casa em Búzios. Eu, ele, a Ângela e um amigo dele, o Mário Gomes. Eu e o Mário acabamos dando uns beijos e eu morri de medo do Rolls, mas ele, que pode até não ter gostado, não falou nada. Imagina isso nos anos 70 e na família Gracie!". Mas Rolls era assim, carismático e bastante à frente da sua época.

Em 77 Rolls e Ângela teriam o primeiro filho, morto no parto. "Nós ficamos muito abalados, mas alguns meses depois fiquei grávida do Rollezinho", lembra Ângela. "O Rolles tinha apenas alguns meses e ele o levou para a academia.", conta o aluno Alvinho (Romano, criador da Ginástica Natural). "Colocou o bebê no cantinho do ringue e disse: Vou deixar ele aqui para já ir sentindo o cheiro do tatame". Sua mulher não teve refresco e em 79, pelo terceiro ano seguido, engravidou do segundo filho, Igor. A semente estava plantada.

RUA FIGUEIREDO MAGALHÃES, 414

Em 8 anos juntos, Ângela acompanhou Rolls nas principais passagens, levando frutas e tâmaras para os campeonatos para que o jovem magrelo chegasse aos 70 quilos. "Me lembro quando ele abriu a academia no prédio 414 da Figueiredo Magalhães", conta. "Em 74, fui com o Rolls ver uma amiga minha que era gerente do Bradesco para ele arranjar um empréstimo". Rolls deixara de dar aula com o professor Hélio na academia da Cidade, passando a dividir espaço com Carlson em Copacabana.

A sua academia em Copacabana marcou época. Foram lá seus principais treinos, vez por outra reunia os melhores lutadores e os enfileirava, independente do nível. Foi lá também que montou seu time de competição. Primeiro, Fábio Macieira, Paulo "Conde", Talarico, Nissinho Azulay, Carlinhos (Gracie Jr.), Ricardo Azoury, Márcio "Macarrão", "Mauricío" Motta, Romero "Jacaré". Depois, Crólin e Rilion Gracie, Álvaro Romano, Fábio Santos, Rodrigo Mazor, Carlinhos "Soneca", Renan Pitangui e muitos outros.

"Ele era o professor perfeito. Dizia as palavras certas nas horas certas", admira Rilion. "Uma vez, em uma competição no Flamengo, eu tinha lutado 6 vezes, venci o juvenil e tentava o adulto. Estava cansado, sentei num canto, desanimado, e reclamei: ‘Tô morto". Ele bateu no meu ombro e falou bem alto: ‘’É campe‹o, mas vitória sem sacrifício não vale nada’. Aquilo me acordou e acabei vencendo", comemora.

De novo as viagens ajudaram nas inovações. "Depois de trazer as primeiras câmeras de vídeo em VHS, Rolls passou a filmar os treinos e tirar um dia para as correções", lembra Alvinho. "E foi ele que inventou o treino que hoje chamamos de interval, em que os pares se alinham e vão trocando de temos em tempos. O método veio com a necessidade de encurtar os treinos aos sábados, pois todos queriam sair. Em quarenta minutos todo mundo já tinha se exercitado", explica.

Dois dos principais braços da escola de Rolls são hoje a Alliance, através do Jacaré, e a Gracie Barra, de Carlos Gracie Jr. "Espelhado no seu exemplo de incentivo aos campeonatos, fundei a Confederação Brasileira de Jiu-jitsu", reconhece Carlinhos. "Quando o Rolls morreu, eu deixei de competir. Hoje eu vejo a importância que ele tinha no meu estímulo, pois na verdade eu não lutava por mim, e sim por ele. E procuro incentivar meus alunos para que disputem todos os campeonatos, como ele fazia", justifica.

Sempre ligado à natureza, Rolls levava os alunos para uma corrida nas Paineiras às segundas-feiras, local em que a equipe de competição ia também nas vésperas dos campeonatos, para uma descontraída e inspiradora caminhada. E desta forma, acompanhando e incentivando os alunos, o líder foi ganhando adeptos. Quem chegava na academia meio desorientado, se aprumava. Os treinos eram mais que apuradores da técnica. Era importante a questão filosófica e até a política. "Já na década de 70, Rolls já não usava nenhum aerosol, preocupado com a camada de ozônio", lembra Ricardo Azoury, aluno e um dos melhores amigos do campeão. Por essas e outras, Rolls transcendeu o Jiu-jitsu.

"O Rolls transformou uma geração. Tenho mais de 50 conhecidos que passaram na sua mão e trocaram as drogas pelo culto à saúde". - Álvaro Romano

"Por mais ciúme que isso venha a causar, a verdade _ que o Rolls era o melhor coração entre todos os Gracie que já conheci". - Hélio Gracie

"Ele dizia que seu sonho era ter dinheiro para abrir uma academia gratuita em que só treinariam os que se dedicassem ao Jiu-jitsu". Ângela

O ÚLTIMO VÔO

"O Rolls era tão valente que chegava a ser suicida", confessa Mestre Hélio. Mas esta sua ousadia inata talvez o tenha levado à uma morte prematura. Só andava de carro em alta velocidade, tanto é que capotou duas vezes. "Íamos para São Paulo, e ele acelerou com a Variant, que não completou em quatro rodas a curva da Av. Atlântica com Rua Siqueira Campos", lembra Pimpo. Não era um exímio surfista, mas adorava o esporte, e "não havia mar em que não entrasse", como dizem os amigos da época. "Éramos contra a moto também", observa Reyson, em alusão às modernas máquinas da Zona Franca de Manaus que Rolls comprava. "pouco antes dele morrer fui fazer queixa com Tio Hélio, pois o vi carregando o Igor e o Rolles na garupa".

Mas foi no ar, local onde era menos talentoso, que o seu "corpo fechado" não mais funcionou. Rolls começou a voar nos primórdios da asa delta, por influência do surfista Adolfo Gentil, amigo com quem dividiu casa em Saquarema. E o início já foi dramático. "O seu instrutor morreu porque voou sem amarrar o mosquetão", conta Ricardo Azoury. "E ele sem estar preparado montou a asa e se atirou, em homenagem ao cara. Completou o vôo aos trancos e barrancos". Começou mal. Uma vez, durante um campeonato, caiu da asa dois dias seguidos e foi manchete dos jornais. Mas mesmo diante de um "provável aviso", como considerou Reyson, não parou.

Faziam seis meses que havia prometido à esposa não mais voar, quando em um final de semana foi conhecer Visconde de Mauá com o amigo Luiz Fernando, esposas e filhos. "Na sexta-feira de manhã, dia 4, o Pepê entrou no tatame para treinar e o Rolls perguntou para ele os detalhes da rampa da cidade", lembra Fernando do início do drama. "Nos hospedamos na fazenda Bühler, em Maringá, e estava no saguão no Domingo, quando entrou um amigo meu chamado Zé João, que estava morando por lá. Ele estava justamente indo usar o único telefone da região (que ficava na fazenda) para marcar um vôo, e o Rolls passou pelo seu carro e viu a asa, que por coincidência tinha sido sua, há muito tempo. Quando notou que eu conhecia o Zé, foi logo pedindo para dar um vôo. A Ângela ficou uma arara, mas não teve jeito, marcaram para uma da tarde.

"Quando íamos chegando na rampa, encontramos com Zé João voltando. Emparelhamos os carros, o Zé disse: ‘Não dá, não tem vento’. E o Rolls teimou: ‘O que é isso campeão, dá para dar pelos menos um vôo, vamos lá’. O Zé não quis, mas concordou em emprestar a asa. Ele montou a asa em profundo silêncio, enquanto o Rollezinho e o Fernandinho (Vasconcelos, atual campeão mundial de JJ) faziam a maior zona. Ele nem deu atenção e me dirigiu suas últimas palavras: ‘campeão, levanta a asa para eu regular o sarcófago’. Ele fez todos os ajustes e correu para pular. A Ângela desejou: ‘Bom vôo, meu amor’ e o Rollesinho acompanhou: ‘Bom vôo, papai’. E ele foi. A asa subiu um pouco para direita, e rapidamente embicou para esquerda, caindo. Todos entraram em pânico e eu saí correndo, descendo a ladeira me agarrando no mato alto. Quando cheguei na asa, bastante longe, seus olhos azuis estavam abertos apontando para cima à direita. Os braços estavam rígidos, como se lutasse para asa subir. Parecia intacto, mas já estava morto", se resigna Luiz Fernando. A tragédia foi no dia 6 de junho de 1982.

Desde cedo Rolls Gracie viveu intensamente, e uma das partes mais complicadas na tarefa de remontar sua história é descobrir como o campeão arranjou espaço na agenda para fazer tanta coisa ao mesmo tempo. "Ele fazia questão de dormir oito horas por dia", complica Azoury. "Na sexta à noite, ele questionava: "não sei se vou para Búzios, Teresópolis ou Nova York’. E o pior _ que a dúvida existia, não era tiração de onda", arremata. Em tão poucos anos, competiu, ensinou, treinou, malhou, surfou, voou, viajou, montou a cavalo, dedicou tempo à família e aos amigos, estudou, aprendeu, e revolucionou e retomou o Jiu-jitsu. Não virou uma lenda por acaso.

LEGADO

Mais concreto que os exemplos e técnica deixados por Rolls são os filhos Igor (19) e Rolles (20), que testemunharam a tragédia ocorrida com o pai, mas guardam poucas lembranças dele: "Me lembro de algumas visitas ao Parque da Cidade e quando ele comprava fogos de artif’cio para eu brincar", conta Rolles. "Quando vejo fotos me vêm algumas recordações, mas só isso", lamenta Igor, que tinha pouco mais de 2 anos na época do acidente.

"Nossa maior referência é quando encontramos com as pessoas e elas se emocionam", diz Igor, "falam que ele era um grande líder e que unia o Jiu-jitsu", completa Rolles, do alto dos seus 1,95 metro, e 97 quilos, medidas bem mais generosas que as do pai. "Peso conta cada vez mais, mas dizem que meu pai compensava a falta de corpo com muita técnica", se orgulha Rolles. Com certeza Rolls passou para o primeiro filho toda sua obsessão em ser maior e mais pesado, e ainda sobrou para Igor, um pouco mais baixo, mas já com 75Kg, mais do que o pai jamais teve.

Os garotos certamente treinaram na infância menos do que Rolls gostaria, mas procuram compensar o tempo perdido. Em setembro de 98, Igor deixou a casa da mãe na Flórida e veio morar com o tio Carlos Gracie Jr., e desde ent‹o treina diariamente duas vezes por dia. De janeiro para cá já participou de 4 campeonatos e suas atuações melhoram em progressões geométrica. Já Rolles, começou a procura por suas raízes há um pouco mais de tempo, e com 17 anos foi morar no Sul com outro tio, Rilion. Mais conhecido no cenário competitivo que o irmão, já foi vice-campeão mundial, vice-brasileiro e campeão pan-americano. Agora está também no Rio, se dedicando integralmente ao esporte.

"Tenho me destacar para que voltem a falar do meu pai", justifica Rolles, "mas não quero a obrigação de ter que ser como ele", arremata. Apesar de terem uma longa corrida pela frente, os dois prometem se esforço o máximo possível para dar continuidade à dinastia da família, se profissionalizando como lutadores e professores de Jiu-jitsu. Uma vantagem já carregam na largada: o caráter e a índole de Rolls, observação unânime de todos que os conhecem e também conheceram o grande campeão.

"O Rolls era fabuloso. Na sua época podia enfileirar os 10 melhores lutadores

facilmente. Era o líder que o esporte precisava e, não fosse o seu falecimento, o Jiu-jitsu estaria muito mais unido". Rilion Gracie

Que privilegio ler esse texto

E para ser lido e relido sempre que ficarmos confusos sobre a essência do maior de todos os tempos

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Meu amigo este Chicão treinava com o Pedro Sauwer?

Cater,naquela época valia o bate estaca,portanto as finalizações da guarda eram a americana invertida(Kimura era meio que proibido falar lá),os estrangulamentos e o armlockera de lado,você atacava o braço e colocava a perna com o objetivo de colocar o oponente com a testa quase no chão(o Rools executava esta chave com perfeiçao),portanto o triangulo não existia,seria inócuo,Todos conhecemos esta posiçãode terceiros,digam o que quiserem esta é a verdade.

Estava pesquisando sobre Rolls no google e encontrei este tópico.

Alm, importa-se de falar mais desses ataques da guarda (estrangulamentos e "armlock de lado")?

Gostava de saber mais sobre o Jiu Jitsu do Rolls, como era o seu estilo de luta, quais as técnicas e o tipo de jogo predilecto. Se o Alm ou alguém das antigas puder acrescentar algo ao tópico acho que todos os leitores do PVT agradecem.

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