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Especial Chute Boxe, a equipe que fez Curitiba se tornar a Tailândia b

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Especial Chute Boxe, a equipe que fez Curitiba se tornar a Tailândia brasileira

Rudimar Fedrigo, José Pelé e Cris Cyborg falam sobre a história da academia que popularizou o muay thai e revelou Wanderlei Silva, Anderson Silva e Mauricio Shogun

13/05/2016 12h00 - Atualizado em 13/05/2016 12h00 - Por Adriano Albuquerque, Marcelo Barone, Marcelo Russio e Raphael Marinho

Fundada há 38 anos em Curitiba, a academia Chute Boxe é sinônimo de luta de qualidade. Formadora de alguns dos maiores nomes do Vale Tudo e do MMA em todos os tempos, como Wanderlei Silva, Mauricio Shogun, Anderson Silva, Pelé, Murilo Ninja e tantos outros, a equipe foi considerada por muitos anos uma das principais, senão a principal, do mundo. O Combate.com entrevistou três nomes que marcaram a história da equipe: Rudimar Fedrigo (fundador), José Pelé Landi-Jons e Cris Cyborg sobre diversos assuntos relacionados à academia, que pela qualidade do muay thai de seus membros, transformou Curitiba em uma espécie de Tailândia brasileira.

Indo do começo, nos anos 80, passando pelas rixas na capital paranaense, pelos anos de ouro do Pride e pelos grandes nomes revelados pela academia, pela histórica rivalidade com a Brazilian Top Team (BTT) e diversas polêmicas e curiosidades, a história da Chute Boxe se confunde com a da própria luta no Brasil.

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Logo da Chute Boxe na parede da sede da equipe, em Curitiba (Foto: Jason Silva)

O começo

Rudimar Fedrigo: Eu comecei dando aula em uma praça pública, a céu aberto. Não tinha nada, nada mesmo. Como começou a aparecer muita gente, não dava mais para ficar na praça, e acabei indo para um clube, e depois fomos para o Círculo Militar. De lá resolvemos abrir uma academia no Alto da XV, e dali começaram a surgir outras academias. Mas o início foi sem nada. Desde o início, acho que foi uma sorte muito grande, sempre fomos um sucesso de alunos. Com a eficiência da academia, ela começou a ficar famosa na cidade. A Chute Boxe nunca foi atrás desses atletas, eles que vieram até nós. Todos, e não necessariamente vindos de outras equipes. Eles eram feitos dentro da academia mesmo. O cara pensava: "Pô, quero entrar em uma academia. Vou lá para a Chute Boxe".

José Pelé: Era uma sala imensa embaixo, com um monte de colchonetes e em cima tinha ringue profissional. Até hoje existe esse ringue, vivem fazendo lutas de MMA, muay thai, lá na São Francisco. Mas a sede principal ficava na Visconde do Rio Branco, essa era a principal. Logo depois que meu professor, Fabio Noguchi, saiu da academia Chute Boxe, eu fui para a central, porque meu mestre mesmo era o Rudimar Fedrigo. Ele que me abriu as portas, então fiquei com o Noguchi um ano, por aí. Quando o Noguchi saiu, fui para a Visconde de Rio Branco, onde se intensificaram os treinos e a irmandade ficou cada vez mais firme. Ali começamos a seguir um traçado rumo ao sucesso.

Primeiro grande nome

Rudimar Fedrigo: O primeiro cara que eu formei foi o Paulo Seco. Ele era muito bom, mas não era competidor. Era uma pessoa mais a ser provada. Era magrinho e os caras que ficavam tirando onda com ele se davam mal (risos). Ele era muito versátil, fazia aquelas piruetas de caminhar na parede e dava aquelas piruetas, cambalhota para trás e essas coisas. O Paulo defendeu muito a honra da academia. Todas as academias têm que ter os seus guerreiros para defender o tatame, além do mestre em si. A academia tem que ter os seus guerreiros. Em uma ocasião veio um cara do Espíríto Santo, muito bom até, e pediu para treinar conosco. Eu deixei, e ele começou a sentar a madeira em todo mundo. Esse meu faixa-preta, o Paulo, estava meio parado, mas falou que queria encarar esse capixaba. Nós marcamos em um sábado, só os dois, mesmo com ele meio afastado. O resumo da história: ele mandou o cara para a UTI do Hospital Evangélico. O Paulo foi dar um chute, enquanto o cara foi fazer um pêndulo, e acabou acertando a testa contra o joelho dele. Fez um barulho que gerou um afundamento, com o joelho pegando em cheio, um barulho feio. A coisa foi tão séria que terminamos, eu e o Paulo, na frente do hospital rezando para o cara não morrer (risos). Isso lá pelos anos 80. Graças a Deus o cara não morreu, mas podia, né? O curioso é que esse que foi hospitalizado voltou a treinar e se tornou lutador, e o Paulo, não. Só defendeu a honra da academia. Essa filosofia, eu entendo que é importante que seja incutido na cabeça do lutador, de um atleta, porque ele luta por uma coisa maior, não somente por ele. Lutar por um time, uma bandeira, faz o lutador ir um pouco além.

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Rudimar Fedrigo em treino com José Pelé na antiga sede da Chute Boxe (Foto: Jason Silva)

Treinos eram lutas

Rudimar Fedrigo: Os treinos eram muito reais. Era praticamente uma luta por dia. Você assistia a uma luta por dia no tatame. Vários atletas de ponta batendo, sendo nocauteados, tomando knockdown... Isso é importante para a evolução técnica. Eram vários atletas bons, de diversos pesos. A academia deu muito certo no muay thai, ganhou competições e se tornou uma academia forte. Começaram as competições de MMA e melhorou no aspecto financeiro, o que causou um interesse maior. Nós tivemos a sorte de fazer um casamento que foi perfeito, o muay thai junto com o jiu-jítsu em uma época que, em alguns locais, existia muito a rivalidade entre essas duas modalidades. Nós quisemos fazer o contrário, trazer essas duas lutas juntas. O primeiro cara que começou a passar o jiu-jítsu, de fato, na Chute Boxe foi um empresário do Rio de Janeiro, um senhor chamado Mestre Nico. Ele era amigo do Carlson Gracie, veio morar aqui em Curitiba, trouxe os filhos e os matriculou na academia. Eu gostava de, no fim do treino, dar um "malaco-jítsu", aquele negócio do agarramento. Era mais para fazer o pessoal cansar, que não tinha nada a ver com o muay thai. Ele começou a ver aquilo ali e dizia: "Não, não, não, você tem que fazer sentado, tem que colocar o corpo assim..." e começou a dar aula só para a gente, e não cobrava nada, era só pela satisfação dele. Era um jeito de ele reviver aquilo. Depois que viu que o pessoal estava entendendo um pouco de chão, ele disse: "Tem um pessoal da luta livre aqui". Acho que era por causa daquele negócio do Rio de Janeiro... "A gente pode fazer alguns combates".

José Pelé: Na minha vida, a Chute Boxe é tudo. Venho de família tradicional da luta, mas a Chute Boxe foi um encontro de tudo muito novo. Encontro dos meus amigos, a gente vivendo um sonho só, de sermos os melhores samurais do planeta. A importância na minha vida até hoje é marcante. E para o mundo da luta também. A reflexão de tudo isso, todos constataram, é que a Chute Boxe vinha com algo diferente, com o espírito. Quem da luta nunca se imaginou lutando com o espírito da Chute Boxe, sabendo que aquela era a conduta certa a ser representada no momento do combate? Meu pai foi quatro vezes campeão estadual de boxe e fazia sparring lá. A Chute Boxe era muito famosa pelo uniforme e pela luta, o muay thai. Era algo inovador. Entrei na academia em 1989. Falei para ele que queria entrar, ele conhecia o Rudimar e falou com ele para eu começar a treinar. Comecei de graça e a minha vida toda treinei de graça lá.

Cris Cyborg: Você cria uma confiança. Acho que não tem como eu passar por tudo o que eu passei nessa academia dentro do octógono. Aquilo te dá experiência, mesmo que você vá fazer a sua primeira luta. Eu fiz a minha em seis meses, com a Érica Paes. Fui lutar para ver como é que era. Eu sabia que não seria pior do que o meu treino na academia. Então dá uma experiência maior e eu fico muito feliz por fazer parte da Chute Boxe. Aprendi muito psicologicamente, aprendi a ser “casca grossa”, tipo “Nem fudendo”. E também não escolho adversária. A Chute Boxe sempre me ensinou: “Você não vai escolher adversária, vai lutar dia tal contra quem for. Você tem que estar preparada para qualquer situação, porque não sabe contra quem vai lutar”. Quando eu comecei a lutar nos EUA, me davam duas opções e eu tinha que escolher. Para mim era falar qualquer uma, ou então você não está pronta. A campeã escolher quem vai enfrentar? Não! Se é a campeã, tem que estar pronta para enfrentar qualquer uma. Isso eu aprendi lá, essa filosofia. E acho que todos os atletas que passaram pela Chute Boxe têm essa mesma filosofia, e isso diferencia os lutadores de lá de todos os outros atletas.

Rixas em Curitiba

Rudimar Fedrigo: Lembro quando teve a primeira grande rixa, o primeiro MMA aqui em Curitiba. Foi entre o Pelé e um cara da capoeira, um bombeiro chamado Moura. Eles se desentenderam na praia e quase mataram o Pelé lá. Pegaram de galera, essas coisas. Depois ele veio me contar e disse: "A gente tem que resolver esse negócio". Também parece que teve um outro incidente, logo na sequência disso, na rua. Eu pensei que era melhor dar uma olhada nisso. Aí, como o mestre do Moura era o introdutor da capoeira aqui no Paraná, mestre Sergipe, meu amigo, a gente foi até a academia dele. Falei para o pessoal ficar ali embaixo e fui falar com o mestre. Eu disse: "Mestre, é o seguinte, teve um problema entre o Pelé e o Moura. O Pelé está aí, quer resolver com o Moura". A gente estava pensando em deixar livre, o Pelé subir na academia e os dois saírem na porrada. Aí o mestre falou o seguinte: "Não, vamos fazer um evento e colocaremos outras categorias também". Eu cheguei achando que daria uma trucada, mas falei que estava bom. Desci falando para irmos embora para a academia, porque teria um evento, com mais gente envolvida (risos). Acabaram lutando o Pelé, o Nilson, o Rafael Cordeiro e o Fabio Piemonte. Aí teve o evento, e foi uma pancadaria que começou a se generalizar para a torcida também, porque só tinha dois grupos representados. Mas eu sei que a partir daí a academia ficou ainda mais conhecida na cidade e o pessoal começou a treinar mais voltado para o muay thai e o MMA.

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José Pelé, Wanderlei Silva, Rafael Cordeiro e Rudimar Fedrigo exibindo seus cinturões (Foto: Jason Silva)

José Pelé: Tem uma história superlegal, que acho que foi o divisor de águas. Eu fui o primeiro a realmente fazer vale-tudo, já tinha feito um vale-tudo em uma academia, no Noguchi, contra um cara que me desafiou. A gente levou o desafio lá para cima e eu ganhei. Isso foi em 90 ou 91, contra um boxer que era segurança do Bar do Alemão, lugar muito famoso no Largo da Ordem. Ele fazia minha vida impossível. Ele me perseguia, chegou a me perseguir com pedaço de pau e tudo. Até que ele me seguiu até a academia e falou: "Quero fazer com o neguinho". Sou muito magrinho, pequeno, só que na luta rolava cabeçada, cotovelada e no chão eu já botava para baixo e pegava braço. Essa luta acabou comigo montado nele, dando soco, e ele pedindo pra parar. A gente curtia fazer isso, eu gostava muito. Lembro também de uma coisa muito marcante, que foi o desafio do muay thai contra a capoeira. Para quem não sabe, no último treino caiu a luz na academia, e a gente fez o último treino a luz de velas. O pau torrando à luz de velas. Isso foi muito marcante e foram cinco combates com cinco nocautes. O desafio só rolou porque eu que fui diretamente o causador em uma briga que tive com o Mestre Moura, na praia. Daí levamos esse combate para dentro do ringue, com público e tudo. Minha luta com o Mestre Moura acabou com cotoveladas, dando porrada nele.

José Pelé: Isso acontecia pelos tempos da nossa idade. Tinha muitos valentões, brigões, mas eles se deparavam com um pessoal que não deixava passar nada. Era rota de colisão. Não existia a violência de hoje. Hoje em dia, você arruma uma confusão e o cara puxa um revólver, aí já era. Antigamente não tinha isso. O povo curitibano é assim, as pessoas são mais fechadas, não gostam que faltem com respeito. Mesmo sem saber brigar, estão sempre em defesa do respeito. É muito do povo curitibano. Povo frio, a temperatura, quem vai lá sabe que o curitibano é diferente do resto do Brasil. Os valentões eram quaisquer pessoas que quisessem se testar com a gente - conta Pelé.

Guerra de egos

Rudimar Fedrigo: Em um determinado momento isso atrapalha um pouco, mas dentro de uma equipe é algo normal. Tem que saber contornar e administrar isso. Por exemplo, tem um cara que passa a ter um valor não só financeiro, mas representativo dentro de uma equipe. Aí, com certeza, ele começa a ter uma atenção maior, e o outro já começa a ficar um pouco enciumado. Mas tem mesmo. Um atleta que consegue um status financeiro grande para a equipe, econômico e representativo também acaba recebendo mais atenção. Na época do Pride as oportunidades eram um pouco mais restritas. Então é lógico que a disputa também começa a aumentar. Todo atleta de rendimento vive profissionalmente disso, então precisa atuar, precisa da luta, do compromisso. E hoje eu vejo o mercado com mais possibilidades. Naquela época era muito reduzido. Para lidar com isso, era preciso utilizar uma hierarquia marcial. Eu, por exemplo, podia ser amigo íntimo de um lutador, de confidenciar as coisas mesmo, mas na hora do treinamento sempre soube diferenciar e entender isso. É importante até mesmo em uma luta você poder chamar um pouco a atenção do lutador que pode estar desmotivado. Tem que ter alguém com uma autoridade para poder fazer isso. A hierarquia marcial é importante, estabelecida desde o início até o cara chegar no topo.

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Pôster do Pride com a palavra "Fumetsu", que significa "imortal" em japonês (Foto: Jason Silva)

Era do Pride

Rudimar Fedrigo: Tive uma oportunidade de levar o Wanderlei Silva para lutar no Pride. Apesar de ter feito uma grande luta, foi normal. O cara ficou amarrando muito, não deixou ele soltar a agressividade dele. Mesmo assim ele foi bem, deu uma demonstração de que também entendia a luta de chão. Logo após essa luta, ocorreu o suicídio do primeiro presidente do Pride, o Naoto Morishita. Ficou uma expectativa muito grande do que iria acontecer, até que assumiu o diretor-executivo, que era o Nobuyuki Sakakibara. Prontamente eu mandei uma carta dando o nosso suporte naquele momento. Acho que a aproximação entre a Chute Boxe e o Pride aconteceu aí. Acho que uma coisa marcante para ele e para nós foi que nós fomos a primeira equipe brasileira a manifestar o nosso apoio. Foi tipo um "Tamo junto". Ele começou a conceder as oportunidades, o Wanderlei foi abrindo caminho, mostrando a técnica da academia e também chamou um, depois outro... E foi sensacional. Os resultados foram bons e também lembro que começaram a comercializar os produtos, o próprio evento pagava royalties, mas a minha satisfação era muito maior do que qualquer coisa. Minha satisfação era ver as pessoas chegando de ônibus no ginásio e falando: "Olha lá o cara com a camisa da academia", e eles usando chinelo, toalha, camisa, moletom... Era uma coisa bacana. O Pride se preocupava muito em ajudar a divulgar os times. Eles respeitavam muito os clubes formadores. Acho isso importante. Foi um divisor de águas para a história da Chute Boxe. Ali nós conseguimos os grandes resultados e os grandes títulos da academia. Ali nós despontamos para o mundo.

Wanderlei Silva

Rudimar Fedrigo: A importância do Wanderlei para a Chute Boxe é muito grande. Ele, como atleta, como lutador, quando vinha treinar, cada treino era como se fosse uma luta. Ficava com o olho roxo e no dia seguinte já estava treinando novamente; machucou o pé e já estava treinando novamente, sem pausa. Ele começou a treinar assim e teve um dia que ele disse para mim: "Olha, agora eu vou encarar isso aqui como um trampo". Usou esse termo mesmo. Ele tinha uma moto XL vermelha quando me falou isso, então começou a levar mais a sério os treinamentos. Eram treinamentos diferentes, treinamento luta, não treinamento qualquer. A partir daquele momento ele começou a treinar diferente, começou a se preparar de uma maneira diferente. Ele não negava as lutas, por uma questão financeira mesmo. Wanderlei nunca chegou para mim e disse: "Não quero lutar com esse ou aquele". Era uma questão somente financeira. Como ele mesmo falou, era o trabalho dele, então era uma questão de remuneração, de valor, só isso. E sem tremer. Teve uma ocasião em que viajamos para o Japão e ofereceram uma pessoa; na hora que a gente estava pegando o voo era outra; e, quando chegamos lá, era outro atleta, e acabou não sendo. Terminou com a luta contra o Mark Hunt. De última hora. Imagina você saber, no quarto de um hotel, que encararia um cara mais pesado, nocauteador. E ele aceitou. Então era um lutador bravo mesmo. A questão era financeira. Como o que foi oferecido foi um valor que ele considerou bacana na época, ele enfrentaria qualquer um só pelo dinheiro.

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No auge da fama no Japão, Wanderlei Silva posa em anúncio de uma marca de macarrão japonês (Foto: Jason Silva)

Rivalidade com a BTT

Rudimar Fedrigo: Essa rivalidade foi boa para o próprio esporte, e até para que cada academia procurasse dar o seu melhor. A gente teve uma rivalidade muito interessante e um equilíbrio muito grande. Teve uma época em que havia uma contagem, mas depois de um tempo pararam de contar. Mas era tipo 21 a 21, um negócio impressionante. Era um equilíbrio constante. Foi a grande rivalidade da história da Chute Boxe, e era importante ganhar. Do lado de fora do ringue havia muito respeito, mas cada um na sua. O Shogun salvou a academia naquela época. Honrou a Chute Boxe. Eu lembro que a grande passagem do Shogun pela Chute Boxe é realmente no Grand Prix do Pride. O atleta principal era o Wanderlei Silva, mais antigo e tal. O Shogun também estava ali, mas a gente achava que o Wanderlei seria o campeão. Aí de repente o Wanderlei foi eliminado, perdeu para o Ricardo Arona. Aí o Shogun foi para a final contra o Arona e salvou a Chute Boxe naquela noite.

Arrependimento

Rudimar Fedrigo: Teve um episódio que eu me arrependo muito, com o Paulo Filho. Eu acabei me pronunciando de uma maneira não muito educada, mas depois ele me encontrou e mostrou o quanto que ele me respeita e eu falei o quanto que eu admiro ele como atleta. Mas eu lembro assim que ele conseguiu vencer. Ele venceu o Murilo Ninja. Logo depois que ele terminou ele pegou o protetor, deu uma jogadinha assim por cima, como quem dissesse: "Tá vendo?" (risos). Eu tive que engolir, fazer o que... Mas eu não sabia o que tinha acontecido, e logo depois que terminou a luta no ringue, o Shogun foi em direção ao córner e falou: "Aí, você disse que ia ser 2 a 1", alguma coisa assim. O Paulo ficou bravo e disse: "Não, não, casa aí, casa aí". E começou a ter uma discussão. Nós fomos para o hotel com o nosso empresário, que era um cara chamado Kawasaki. Um jornalista ligou perguntando sobre o episódio: "Pô, parece que teve uma discussão ali depois..." e no quarto eu falei com o Kawasaki: "Vamos casar uma luta com o Paulo Filho". Aí o agente falou assim: "No, no, no, no". Talvez em relação a nome. Ele se expressou assim "Small dog". Na época o Paulo Filho não era tão conhecido. Quando o jornalista me perguntou, eu fiquei com esse negócio na cabeça e acabei falando também isso, mas não deveria ter falado. O Paulão ficou chateado. Resultado: casaram a luta e acabamos perdendo. Me arrependi de ter falado. Não deveria ter falado isso. Não foi legal. Eu desrespeitei um lutador. Tem uma hora que o técnico tem que saber dividir isso. Hoje eu vejo isso como uma experiência. Naquela época, não. Eu me envolvia muito também nesse sentido. Tem que saber dosar. Ele é um baita de um lutador e eu me expressei completamente errado.

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Zé Mario Sperry abraça Mauricio Shogun após uma luta, mostrando respeito entre a BTT e a Chute Boxe (Foto: Jason Silva)

UFC Brasil em 1999

Rudimar Fedrigo: Aquele foi um episódio bem impactante para mim, porque eu nunca tinha visto o Wanderlei ser nocauteado. Foi um impacto forte. Talvez eu acreditasse mais nele do que ele mesmo, achava que ele era imbatível. Apesar de saber que o Vitor era bom, eu achava que o Wanderlei ia vencê-lo. No dia também houve um boato de que talvez o Vitor não estivesse bem, mas acabou acontecendo a luta. Mas você vê como é importante também um lutador não desistir. Logo após isso, duas lutas eu acho, o Wanderlei já se recupera e a carreira dele fica mais forte, em determinado momento, do que a do Vitor. Ele deu a volta por cima e conseguiu.

Não repetir o sucesso do Pride no UFC

Rudimar Fedrigo: Essa é uma cobrança constante das próprias pessoas que acompanham. O que eu acho é que sempre está tentando haver uma renovação. A gente tem, na minha opinião, uma grande possibilidade de ter um campeão novo, com um novo técnico. A Chute Boxe também tem uma nova geração de técnicos. O Diego Lima, que está fazendo um grande trabalho, se o Thomas fizer mais duas lutas - vai fazer uma luta principal agora em Las Vegas - vai ter forte condições de ser o desafiante ao cinturão. Tem a Cris que faz questão de lutar sempre representando a academia - ela tem o símbolo tatuado na panturrilha. Mas fica sempre essa busca. Nós estamos preparando os atletas. Uma academia é cobrada justamente pelo fato de não estar ali com mais títulos. Vamos trabalhar para isso. Mas é normal, é a renovação do esporte. As equipes vivem um bom momento, mas às vezes esse momento também passa e vem outra. É isso aí.

Cris Cyborg

Rudimar Fedrigo: Ela chegou trazida por um grau preto que eu formei há muito tempo e não treina mais, o Jorge Caram. Ele chegou e falou: "Olha, tem uma menina que joga handebol e é muito forte, atleta mesmo. Acho que ela daria para lutar". Eu disse: "Fala para ela vir treinar. Quero conhecer, traz ela". Aí o Jorginho trouxe. Ela chegou de bicicleta, começou a treinar e vi que tinha jeito. Demos uma bolsa para ela poder treinar. O treinador, mestre Rafael Cordeiro começou a trabalhar com ela. Naquela época, uma coisa que eu lembro bastante foi o seguinte: tinha dois pisos, o de cima, dos profissionais, que era onde ficavam os lutadores mais casca-grossa, e embaixo era o pessoal que pretendia se desenvolver. Era um outro piso, não tinha condição de treinarem junto com aquele pessoal. Então eu falava para ela descer, e ela ficava p... Ela só queria ficar ali em cima, com a galera profissional mesmo. Ela é, de fato, um diferencial no esporte. Em quatro anos ela já era top no mundo. Foi rápido demais.

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Cris Cyborg treinando para o UFC 198, em Curitiba (Foto: Jason Silva)

Rudimar Fedrigo: Ela treinava mais com os homens, e eles a tratavam como se fosse um homem também, com soco na cara. Eu já a vi nocautear um homem. Os caras não aliviavam para ela também, não. Acho que era a segunda, terceira luta dela, tinha um evento em uma casa de shows aqui em Curitiba e colocamos a Cris para lutar contra uma lutadora paulista, muito guerreira. Todo mundo já era fã da Cris, sabiam que ela era agressiva, todo mundo vibrando para caramba e ela foi lá e deu um armlock, e aí ficou aquela confusão se a adversária bateu ou não bateu. A paulista falou que não tinha batido. Aí todo mundo começou a fazer pressão, gritando "Luta, luta, luta"... Queriam que a menina apanhasse mais. Eu fui obrigado a fazer uma coisa completamente irregular por causa da pressão. Falei: "Olha, a luta vai continuar". A Cris deu mais umas pancadas e ganhou dando um monte de soco. Cris é a melhor de todos os tempos, sem dúvida nenhuma. Ela treina muito e evolui muito. Ela gosta de arte marcial. Ela treina judô e compete no jiu-jítsu. Ela me surpreendeu, não precisava, mas lutou muay thai. Teve uma luta que foi muito difícil porque era uma garota maior do que ela. Ela nunca parou de treinar, está sempre treinando, sempre em evolução. Acho difícil alguém vencê-la.

Cris Cyborg: Não era fácil. Quando eu comecei a treinar, tinha sempre duas equipes separadas, o time A e o time B. A galera top de elite começava o treino, tinha o aquecimento e já separava. Eu ficava p***, porque eu queria ficar no time A. Tinha os sparrings e eu dava tudo de mim para poder ficar em cima, e fui buscando o meu espaço assim. Era eu, tinha mais uma menina lá que era fisiculturista, a Larissa Cunha. Ela era faixa-preta já na época. Eu fazia com ela e ela me salvava todo dia, porque sabia que eu não sabia nada. Eu só era forte, porque eu vim do handebol, então eu tinha um bom preparo físico, mas não sabia técnica nenhuma. Eu era totalmente tosca, mas fui aprendendo. Teve um dia que ela foi colar em mim, mas já não foi bem assim (risos). E eu fui buscando o meu espaço. Fui fazendo sparring com os caras, e os caras me davam knockdown. Os caras saíam na mão mesmo comigo. Eu saía também, fui buscando meu espaço e eles perceberam que eu tinha coração.

Lutador mais técnico

Rudimar Fedrigo: Mais técnico? Não. Tem vários. É difícil falar assim. Eu posso citar alguns nomes, por exemplo: Nilson Castro, que está até hoje, Rafael Cordeiro, Nilsinho, Anderson Silva, Luís Azeredo também, muito completo, muito técnico. Na minha época como treinador e estando junto ali, José Landi-Jons, o Pelé. Guerreiro mesmo. Já vi ele lutar e ficar com o rosto deformado. Ele nunca pediu para parar.

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José Pelé Landi-Jons é considerado um dos maiores guerreiros a integrar a Chute Boxe (Foto: Divulgação)

Luta que mais marcou

Rudimar Fedrigo: Acho que, em termos de importância, foi a surra que o Wanderlei deu no Sakuraba na primeira luta entre eles. Aquilo era importante para nós, porque eu pensava: "Pô, alguém tem que bater no japonês. Tem que ser a gente". Ficava desesperado. Toda luta que o Wanderlei ganhava eu tentava casar a luta dele contra o Sakuraba. Acho que eles queriam proteger o Sakuraba. Ele era o grande nome, o grande ídolo, que dava o show, que trazia as multidões no Japão. Toda luta que o Wanderlei ganhava eu tentava, até que chegou uma hora que eles casaram.

Luta que não queria

Rudimar Fedrigo: Acho que tem mais luta que eu queria que não tivesse acontecido (risos). Uma luta perigosa, ainda bem que não teve, era contra aquele ucraniano, Igor Vovchanchyn, que estava nocauteando todo mundo. Ainda bem que a gente não cruzou com ele. Como era peso aberto, podia aparecer qualquer um pela frente. E o Sakakibara sempre gostou dos desafios, não era muito do peso. Era João contra Pedro, era os nomes.

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Excelente!

Parabéns ao pessoal do Combate!

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Show de entrevista.

Visitei a Chute-Boxe em 1998, acompanhando o irmão de uma ex-namorada curitibana... lembro bem da galera treinando lá, alguns com cara de psicopatas mesmo (falo isso numa boa, sem nenhum tom pejorativo)... por eu ser um cara alto, na época, estar em boa forma física (nunca fui além de faixa branca no jj) e pelo sotaque carioca, fui devidamente filmado por alguns dos alunos de lá... pensei comigo: tá na hora de esperar o irmão da minha namorada do lado de fora... rs

Mais uma vez, muito boa a entrevista.

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Confesso que torcia pra BTT na época do prise, mas respeito muito a chute boxe, apesar de não conseguir concordar muito com a filosofia da porrada. Hahaha

Muito massa. Que nunca deixe de figurar entre as grandes. Ao contrário da BTT, mesmo com os antigos tops dispersando ela está renovando o pessoal, principalmente em são Paulo. A BTT nisso ficou pra trás, ficou muito no jiu-jitsu de pano.

*não é nem questão de não concordar, quanto mais real p treino melhor preparado o atleta vai. Mas não acho saudável para o atleta a longo prazo sair na porrada todo dia, e acho que a agressividade deles muitas vezes substituía a técnica.

Na época, quando comecei a ver MMA, por dvds do pride lá pra 2005, 2006, enxergava assim: chute boxe, pitbulls agressivos do muay thai. BTT, mais calmos e técnicos, do boxe e muita luta agarrada. (Eu mal conhecia jiu-jitsu, axhava charo luta agarrada na época e passava direto quando a luta ia pro chao muitas vezes) hahaha

Nunca gostei muito da coisa se chutar a cabeça do outro, a o pessoal da chute boxe abusava disso.

Claro que hoje tenho outra percepção. Mas sempre que vejo essas coisas da uma nostalgia hahaha

Editado por Daniel Mendoza

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Confesso que torcia pra BTT na época do prise, mas respeito muito a chute boxe, apesar de não conseguir concordar muito com a filosofia da porrada. Hahaha

Muito massa. Que nunca deixe de figurar entre as grandes. Ao contrário da BTT, mesmo com os antigos tops dispersando ela está renovando o pessoal, principalmente em são Paulo. A BTT nisso ficou pra trás, ficou muito no jiu-jitsu de pano.

A BTT era os casca grossa formados pelo Carlson que saíram e formaram uma equipe e com isso atraíram alguns outros casca grossa. Enquanto isso todo mundo da Chute Boxe tinha sido formado lá.

BTT nunca foi escola. Até se você pegar a geração mais recente de atletas no UFC, Miltinho e Toquinho nenhum foi formado pela BTT.

Isso sem falar que os próprios fundadores se desentenderão entre si.

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A BTT era os casca grossa formados pelo Carlson que saíram e formaram uma equipe e com isso atraíram alguns outros casca grossa. Enquanto isso todo mundo da Chute Boxe tinha sido formado lá.

BTT nunca foi escola. Até se você pegar a geração mais recente de atletas no UFC, Miltinho e Toquinho nenhum foi formado pela BTT.

Isso sem falar que os próprios fundadores se desentenderão entre si.

Verdade, agora que ela já é uma escola de bjj de pano. Mas de MMA nunca foi mesmo. Quem sabe não vire no futuro...

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Muito maneiro!

Podem falar o que for do Rudimar, mas que legado, heim?

Que academia que o cara CRIOU...do caralho. Isso ninguém tira...

E ainda não formou mais campeões hoje da mesma forma que o Flamengo não formou outro Zico...e essa equipe da Chute Boxe é como Flamengo de 80/81 e Santos de Pelé, nunca mais...

Mas com certeza vai aparecer uns caras tops, como o Thominhas e tal...vai aparecendo...

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Zé Mario Sperry abraça Mauricio Shogun após uma luta, mostrando respeito entre a BTT e a Chute Boxe (Foto: Jason Silva)

Ali eh o Murilo Ninja, nao o Shogun!

Boa materia. A treta do Pele na praia foi cabulosa mesmo. Ouvi dizer que chegou um caminhão com a caçamba cheia pra cacar os caras da Chute Boxe.

Os caras se metiam em varias encrencas.

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Moldou toda uma geração de lendas. Não conheço história parecida. Espero que continuem revelando vários talentos.

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