Entre para seguir isso  
dumog

Ultimate favela, um retrato do submundo do MMA

Recommended Posts

Ultimate favela, um retrato do submundo do MMA

No Complexo da Maré, a versão modesta de uma febre que atrai fãs e sonhos de vitória

Lutadores trocam socos no segundo evento de MMA a ser realizado na Maré - Daniel Marenco / Agência O Globo

por Victor Costa

19/11/2016 4:28 / Atualizado 19/11/2016 4:28

O carro da reportagem estaciona em frente à Vila do João, no Complexo da Maré, por volta das 16h do último sábado, dia 12. Depois de dez minutos de espera, chega um morador, rosto conhecido na comunidade, e se senta no banco da frente. É dia de feira. A rua está cheia, e é preciso dar a volta. Algumas lombadas acentuadas e duas esquinas fortemente vigiadas depois, a equipe chega a uma quadra empoeirada. Em poucas horas, ali seria o palco do Champion Fight Combat (CFC), um evento semiprofissional de MMA.

O evento lista 24 lutadores. Alguns vieram de São Paulo em uma van que, estacionada na quadra, serve de refúgio para o descanso dos atletas que aguardavam o início dos combates. O card também conta com dois baianos, um cubano e alguns cariocas. Muitos são estreantes; o mais experiente não tinha sequer sete lutas.

Um octógono feito de camadas de madeira e espuma, coberto por uma lona azul de plástico, do tipo das piscinas, está montado no centro da quadra. O cheiro de mijo nos cantos indica certo abandono: se normalmente os bailes funks das comunidades acontecem em quadras, na Vila do João, a festa é na rua, embalada por caixas de som empilhadas a uma altura de 3m. No fundo da quadra, um contêiner servia de vestiário, limitado a seis pessoas, o que obrigava a um revezamento para ajustar ataduras, luvas e os últimos detalhes. Outro revezamento era o do protetor de genitália, fundamental para defesa dos testículos. O acessório era comunitário: tão logo acabava uma luta, era repassado.

O CFC na Maré deixa claro a popularização do esporte no país. Em todas as lutas, os competidores mostraram uma base de artes marciais para atacar e se defender tanto no jogo de chão quanto em pé. No submundo do MMA, a porradaria é de alto nível, e começa com dois meninos praticantes de submission, uma espécie de jiu-jitsu sem quimono.

'É MÃO PESADA, PAI. É MÃO PESADA, PAI'

Na vez de Douglas Eduardo, baiano de Ilhéus, 31 anos, acontece um dos combates mais agitados da noite. Ele vence por guilhotina aos 2min43s. Mais movimentada que a luta, só o dia do baiano, que comemorou muito.

— É mão pesada, pai. Vim do sul da Bahia, foram 24 horas de ônibus para chegar no Rio hoje (sábado, 12) de manhã. Foi o tempo de comer um peito de frango com batata, descansar um pouco e subir no ringue. Não consigo acreditar, essa é minha primeira luta no MMA. É mão pesada, pai — disse Douglas.

Antonio Lima, o Barboleta, faz pose na Vila do João antes de entrar no óctogono - Daniel Marenco / Agência O Globo

Douglas ganhou R$ 400 pela luta, que era a bolsa do evento, mais a passagem de ônibus. O valor da bolsa também era muito além do que ele ganhava para fazer lutas de boxe na Bahia, onde já recebeu R$ 35 para subir no ringue. Douglas pensa em seguir carreira no MMA. E ele não está sozinho nessa. Todos os lutadores entrevistados disseram que pretendem viver do esporte com o mesmo brilho no olhar de um garoto que sonha em ser jogador de futebol quando crescer.

Conseguir uma luta, no entanto, não é fácil. Iago Deodato, de 24 anos, que venceu a sétima luta da noite, estava desde 2009 tentando estrear no octógono. Há sete anos, sua vida se resume a arranjar um emprego, trabalhar por alguns meses para levantar uma grana e pedir demissão em seguida, a fim de passar os meses posteriores treinando em busca de evolução de suas técnicas.

Desinfetante é lançado nos cantos, cadeiras de plásticos são instaladas em frente ao octógono, tudo pronto. Hip hop estoura nos alto-falantes. Os ingressos custavam R$ 10, mas no terceiro embate o acesso é liberado. Na laje da casa ao lado, onde funcionam os Alcoólicos Anônimos, crianças se amontoam para ver o evento. Algumas, mais ousadas, pulavam o muro de mais de 4m escalando a estrutura que sustenta as telhas de alumínio.

O público é variado: há bebês e gente da terceira idade. Na lanchonete, cerveja e pizza brotinho, a RS 5 cada um. Também há os “seguranças”, como são chamados, que ficam á sombra. Não só tomam conta da quadra, mas como de boa parte da região. São mais de vinte, com fuzis e granadas, exibidos com tamanha naturalidade que não há um clima de intimidação. Para os recém-chegados, a sensação se assemelha à de entrar num banco quando a equipe do carro-forte abastece os caixas: tranquilidade e iminência de tensão.

A luta pega fogo no chão do octógono na Maré - Daniel Marenco / Agência O Globo

O tráfico não é a única instituição presente. Entre a quinta e a sexta lutas, o pastor Natan, que se identificou como diretor esportivo da Igreja Universal, sobe no octógono para um culto de cerca de dez minutos.

— Este é o segundo evento de MMA que tem na Maré. O primeiro foi há cerca de seis meses. Trazer o CFC para cá é importante para dar melhores condições ao pessoal que tá começando e quer viver disso — afirma Adelson Moura, um dos organizadores do evento.

Ultimate favela, um retrato do submundo do MMA

2

de 2

Do ponto de mototáxi ao octógono

Fabinho da Maré foi um dos mais ovacionados pela torcida, antes e depois da luta - Daniel Marenco / Agência O Globo

Publicidade

Fabinho da Maré, 34 anos, é mototaxista da Vila do João, o que explica o apoio em massa da torcida. Ele não tinha a técnica mais apurada, mas compensava com punhos pesados e resistência elogiável. Sua luta foi a única das 24 que precisou dos três rounds e foi decidida pelo julgamento dos juízes. Fabinho perdeu por unanimidade para um competidor 14 anos mais novo e com mais base no esporte. Seu rosto é um dos que mais se transformam no pós-luta, como se vê no ensaio feito por Daniel Marenco, fotógrafo do GLOBO, inspirado no projeto "Marked" (Marcado, em português), da holandesa Claire Felicie, que fez retratos de soldados de seu país entre 2009 e 2010 — antes, durante e depois de missões militares.

Apesar do estrago facial, o organizador do evento, Adelson Moura, fez questão de erguer o braço de Fabinho. Tinha uma dívida com ele: sem o mototaxista, o evento não teria saído do papel. Fabinho foi o primeiro a bater na porta de Adelson pedindo por uma luta assim que soube da possibilidade de se realizar o CFC na comunidade.

Entre o pedido e a resposta, Fabinho não teve tempo para treinar, pois se dividiu entre a organização do evento e seu ganha-pão no mototáxi. No dia da luta, ele ficou até 3h da madrugada anterior ajudando a montar a estrutura. Poucas horas de sono depois, foi um dos primeiros a chegar na quadra para acertar os últimos detalhes. A falta de descanso e o adversário mais pesado não foram utilizados por Fabinho para justificar a derrota. Pelo contrário, dizia-se feliz por estar participando do evento, mesmo que seu rosto magoado não permitisse abrir um largo sorriso.

— Sou nascido aqui na Vila do João. O apoio da torcida me deu energia para aguentar a luta até o final. Já pratiquei taekwondo e esta foi minha segunda luta de MMA. Sei que é difícil, mas penso em seguir carreira no esporte. Lutar é algo que gosto de fazer — disse Fabinho.

DE ACARÁ PARA A MARÉ

Mesmo com a idade considerada avançada para iniciar uma carreira no MMA, Fabinho acredita que é importante fomentar a modalidade. Por isso, logo se colocou à disposição de Adelson.

Adelson, que já tentou carreira de lutador, também não levou o CFC para Maré por acaso. Em 2011, ele conheceu Paulo Henrique, o PH, em um processo seletivo no Rio para tentar uma vaga no “TUF”, reality show do UFC da Globo. Nenhum dos dois passou, mas a amizade ficou.

Cansado de ganhar pouco, PH resolveu montar o próprio evento, o CFC, para pagar uma bolsa mais digna aos lutadores. As primeiras edições foram em Acará, no Pará. Com a ajuda de Adelson, o evento pela primeira vez ocorreu fora da região Norte.

— Eu continuo lutando, mas vi que só de luta é meio difícil de se bancar. Por isso que passei a organizar os eventos — explica PH.

De clandestino a pedreiro, a saga de um cubano

O cubano Marceliandre Alvarez, de 31 anos, antes e depois da luta - Daniel Marenco / Agência O Globo

Há oito anos, o cubano Marceliandre Alvarez enfrentava a travessia mais difícil de sua vida. Em busca de uma melhor condição financeira, deixou Havana escondido em um cargueiro de cimento. Ele era o único tripulante nesta situação. Todos os outros estavam a trabalho. No sábado (12), o cubano, que já regularizou sua situação no Brasil, venceu a oitava luta da noite por finalização.

— Cheguei no Brasil pelo Amapá. Morei em Macapá até o meio deste ano, quando me mudei para a Gardênia Azul. Macapá era mais tranquilo que o Rio, mas eu gosto da Cidade Maravilhosa. Nada me assusta aqui. Nem mesmo as vassouras dos seguranças (fazendo referência às armas) — disse Marceliandre, 31 anos, em tom de brincadeira, completando. — Mas eu só não tenho medo das “vassouras” porque não fiz nada de errado.

Embora tenha vencido sua luta com uma finalização de jiu-jítsu, o forte de Marceliandre são o boxe e a luta olímpica, dois esportes cultuadíssimos na ilha de Fidel. Sua preparação física é improvisada, mas garante seu sustento financeiro e, segundo ele, é uma das mais eficientes que existe.

— Trabalho de ajudante de pedreiro. Carrego saco de cimento, cavo buraco, dou martelada em estaca de madeira... Existe uma preparação física melhor do que essa? E ainda consigo tirar o dinheiro que me mantém vivo — diz Marceliandre, em português, mas com forte sotaque cubano. — Não tenho problemas de comunicação aqui no Brasil. O pessoal do Rio fala mais gíria do que em Macapá, mas já peguei quase tudo, “leke”. É nóis!

TUDO PELO FILHO

Em Macapá, o cubano deixou sua maior paixão: o filho, Pablo Layander, de quatro anos, que está aos cuidados da mãe. Ao falar do filho, o lutador se derrete e surge um brilho em seu olhar. Mas a reação é oposta ao falar da ex-mulher, mãe do menino:

— Tudo o que eu faço é pelo meu filho. Estou longe, mas ele é a maior razão da minha vida.

Marceliandre conta que já viu muita coisa em suas três décadas de vida. Diferentemente da maioria dos lutadores que foram ao octógono na Maré, ele não demonstrava tanta paixão ao falar que pretende seguir no esporte. Parece calejado. Enquanto a maioria dizia que iria comemorar a luta na noite de sábado, o cubano só pensava em arrumar uma carona de volta para casa, pois teria que acordar cedo no dia seguinte para trabalhar.

Na Vila do João, o cubano fez sua segunda luta de MMA. No boxe, ele subiu algumas vezes no ringue, mas optou por fazer a transição, já que as bolsas nos eventos de MMA são maiores e dão mais visibilidade do que no esporte de Éder Jofre.

— O boxe paga muito mal. No Brasil, eu vejo que o interesse é muito maior no MMA. Então, não penso em voltar a lutar no boxe — confessa o guerreiro cubano.

Read more: http://oglobo.globo.com/esportes/ultima ... z4RtXo5N5I

__________________________________________________________

achei a reportagem bacana.

acho que o pessoal das favelas está começando a ver no MMA uma alternativa mais viável que o futebol pra mudar de vida.

Compartilhar este post


Link para o post
Compartilhar em outros sites

Crie uma conta ou entre para comentar

Você precisar ser um membro para fazer um comentário

Criar uma conta

Crie uma nova conta em nossa comunidade. É fácil!

Crie uma nova conta

Entrar

Já tem uma conta? Faça o login.

Entrar Agora
Entre para seguir isso